21.3.18

As ideias são para sempre?


Mogwai, “Don’t Believe the Fife” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=ZIhDdVaqF8U    
O tatuador tinha recrutado o pensamento, resgatando a conversa entre dois (a seu ver) despeitados. Continuava convencido que, pudessem eles, recuavam e se abrigavam no refúgio de ideias de onde foram expulsos. Pela sua experiência, as pessoas não renegam tão depressa as ideias. Sabia do que falava. A sua experiência era o selo da versatilidade. Ao contrário dos outros dois, com quem depois meteu conversa e quase se desentendeu, nunca foi de militâncias. Mas teve as suas ideias. Não era um apóstata. A discrição exigia que não andasse a servir de testa-de-ferro dessas ideias. Sempre recusou ser carne para canhão de qualquer causa, mesmo as que subscrevia com convicção.
Conheceu muitas pessoas que eram de uma lealdade canina aos grupos a que tinham pertença. Eram capazes de abdicar da sua dignidade se um guru da causa fosse atacado, ou se o guru pedisse para darem o peito pela militância porque era conveniente no momento considerado. O tatuador aceitava que as pessoas se cansem de uma pertença e se afastem, deixando-se para lugar pouco visível e sossegado. O que causava espécie era saber se é possível as ideias de uma vida inteira serem abjuradas em nome de uma dissidência forjada por inimizades, por incompatibilidades, ou por comportamentos heréticos (para a causa). Nestes casos, as pessoas eram expeditamente expurgadas do grupo, mas não podia acreditar que ficassem órfãs de ideias.
Foi quando colocou a interrogação do avesso: e as ideias de uma pessoa, são para sempre? Não podem mudar, à medida que os acontecimentos as tornam obsoletas, ou quando são por eles hipotecadas? Não podem os arrependidos das ideias, assim destronadas, escondê-lo por temerem ataques dos da casta e dos outros, que se julgam julgadores da coerência dos outros? A resposta não demorou: não, as ideias não são perpétuas. Podem mudar com a cor do tempo, com outros ângulos que chegam ao olhar, ou apenas porque no apogeu de uma interrogação sistemática as ideias transitadas no pretérito ficaram gastas, inúteis. Ele foram tantas as vezes que mudou de ideias. Sentia-se bem desse modo. Dava um exemplo de nomadismo de ideias. E nem se importunou, por achar que perdia o rasto à coerência. A maior das incoerências é quando interiormente tudo concorre para a mudança das ideias e a obstinação de as manter, ou o medo de dar o flanco da incoerência, se sobrepõem.
O tatuador também ficou impressionado, na véspera, com o plátano centenário que estava a ser abatido pelos serviços camarários. Ao contrário do homem a quem julgaram tendências suicidas, o tatuador testemunhou o abate. No dia seguinte, passou pelo mesmo lugar, por acaso. Nem sequer o toco ficou como memória futura do outrora majestoso plátano. Os serviços camarários limaram o toco da árvore decessa ao ponto de ficar raso, ao nível do restante chão.
Estava provado: as ideias têm de mudar quando o palco muda.

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