5.2.18

Os moinhos sem rédea e o vento omisso

Julia Holter, “Sea Calls Me Home”, in https://www.youtube.com/watch?v=OERixQR-hxY    
Os moinhos ostentavam as velas garbosas à medida que desfilavam com a orquestração do vento. O vento era o amparo preciso para função que aristocratizava os moinhos. Não fora por acaso que eles tinham sido construídos na cumeeira, onde desde tempos ancestrais se dizia que os ventos eram como um cavalo sem rédeas a galopar numa seara plana. Um punhado de moinhos desenhava uma linha geometricamente precisa, ficando mais nítida a cumeeira. Caiados de branco, sobressaíam na paisagem: se era inverno, contrastavam com o verde extasiante dos prados que subiam até ao epílogo da serra; no pino do verão, com os campos secos devido à estiagem, eram os moinhos que emprestavam cor à paisagem desoladora.
As pessoas acostumaram-se a ver as velas do moinho desembaraçarem-se com destreza, tanto era o vento que parecia ser perene na cumeada. Quem se chegava perto das velas em andamento, recuava instintivamente: as velas arquejavam um vento tonitruante que se somava ao vento irrefreável. E, no entanto, havia gente que era visita habitual. Uns pastores, por dever da função, enquanto pastoreavam os rebanhos. Um poeta em demanda de inspiração (a crer pela frequência das visitas, dir-se-ia ser estatuto difícil, a inspiração). Um casal de namorados, aproveitando-se do isolamento do sítio (não era de crer que fossem admiradores da coreografia dos moinhos). Uns caminhantes que subiam à cumeada antes de findarem o trilho no idílico vale onde o ribeiro se alargava e ali se demoravam, apreciando a paisagem e, com mais demora, os moinhos.
De repente, os moinhos pararam. O vento ausentara-se, emigrado para lugares distantes. Os moinhos emudeceram no silêncio contrariado das velas. À falta de vento (omisso), os moinhos entraram em hibernação. Ao início, julgou-se ser uma anomalia temporária. Assim como assim, a cumeada era reconhecida como pródigo ninho dos ventos. Quanto mais passava o tempo e o vento continuava a não visitar o lugar, as velas dos moinhos ganhavam artroses. Ficaram amordaçadas por falta de movimento. Quem olhava para os moinhos e se habituou a vê-los garridos e frenéticos, notava-os tristes. O mais certo era que fossem os habituais observadores dos moinhos, estranhando a sua nova condição, a verterem a sua melancolia nos moinhos.
Uma vez, um pastor, revelando uma sensibilidade invulgar, tentou fazer mover as velas de um moinho com a ajuda da força braçal. Antes de o fazer, circundou o moinho e olhou demoradamente em redor, só para se certificar que ninguém estava nas imediações. O moinho não se moveu. E o pastor, em completo estado de tristeza, não conseguiu travar uma lágrima. Os moinhos ganharam rédea. E perderam vida.
Oxalá o vento não teimasse furtivo e voltasse ao lugar que era seu por definição.

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