13.11.17

Uma questão de estilo

Faith No More, “Midlife Crisis”, in https://www.youtube.com/watch?v=U8b88US-6ts    
Estilística apurada: nada mais importava, se não o estilo ostentado em cirúrgicas composições em que se tirava partido da estética na sua dimensão demiúrgica. Que não se incomodassem os varonis da desmemória com excruciantes convites para a poesia, ou para a filosofia, ou para artes outras, ou ainda para coisas fendidas na sublimação do pensamento: eram escamas pútridas que afeavam o ventre da estética – e tudo parecia resumir-se à estética.
Ascetas em contramão argumentavam, zelosamente, a favor da sublimação do pensamento e contra a vacuidade do estilo pelo estilo. Os estetas não se convenciam. Estavam afogueados pelos detalhes do estilo servido no dia, no dia após dia. Os outros que rasgassem o manto diáfano do estilo, se ao estilo não se julgassem devedores. Que se entregassem no alpendre onde amanhece o palco por onde desfilam interrogações hermenêuticas. Eles, os apoderados pelo estilo, só se queriam entregar nas mãos da intangibilidade do tempo. Pois julgavam-se imorredoiros, no exato contraste com a efemeridade dos estilos que cavalgavam na onda volátil de modas em sequência vertiginosa.
Os ascetas, circunspetos, protestavam contra a frivolidade dos apedeutas da mera estética. Acusavam-nos do crime maior: o vazio de pensamento, a própria estética infundamentada – a não ser pelos vapores do momento que congeminavam o selo fátuo de um estilo arvorado em moda. Outros, menos circunspetos, divertiam-se com o pavor do estilo impositivo. Não questionavam os arautos do estilo: era lá com eles, cultivarem com denodo os sinais exteriores da interior inânia. Em vez de protestarem contra os priores do estilo, protestavam contra os ascetas taciturnos. Se a sua vontade fosse feita, os cuidadores do estilo deixariam de desfilar, com incomensurável dano para o divertimento geral da casta.
Era uma guerra sem armas num triângulo improvável: os ascetas carrancudos, os meditativos de espírito aliviado e os promotores do estilo metódico. Só dois dos peões tinham consciência da peleja, pois os cuidadores da estética, de tão empenhados na função, não davam conta do que se passava fora dos limites do seu limitado cosmos. Tudo se resumia a uma questão de estilo. Mesmo entre os ascetas de diferentes pergaminhos. Pois se uns, atávicos e empedernidos, contestavam a soberba do estilo que não cuida de mais nada, outros retorquiam, a seu favor, a necessidade de os priores do estilo continuarem a ter lugar.
Uns e outros eram, talvez sem o saberem, fautores de um estilo à sua maneira.

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