12.10.17

Guia para perplexos

Toy, “Motoring”, in https://www.youtube.com/watch?v=VDYMjvdCWpc    
I
Haverás de limpar os olhos quando sobre ti se erguer a ira dos demais. Ignora. Os demais. E a ira, deixando-a medrar no regaço pútrido dos demais.
II
Se forem ininteligíveis as razões do acosso, verte o focinho dos bestuntos em poluídas águas pluviais. Para ver se aclaram as ideias por dentro da fétida matéria de que são feitos.
III
Em persistindo a emboscada, pega num livro de poesia.
IV
Sobressaltado pela ingerência sem dó, perfuma o olhar com as coisas belas que tens como tuas, em teu património.
V
Nos contrafortes da inquietação, não sejas indiferente – a menos que a indiferença seja o maior ultraje a quem, sem porventura saber, reclama créditos de atenção.
VI
Inspira o ar puro, mesmo que não o julgues ser mercê da poluição em redor, ou conta repetidamente até a um número que tenhas como fasquia.
VII
 Não labores na vindicta, que te sitia num embaraço sem paredes visíveis.
VIII
Acometido por eventos inesperados, recebe de braços abertos os que reputas de benignos e devolve à procedência os que forem mancha no currículo.
IX
Atravessa as pontes medonhas, mesmo que estejas trespassado pelo medo por causa do chão de vidro que as subjaz: a derrota das limitações interiores arroteia o espaço despojado, onde tudo se compõe de novo na fruição da liberdade.
X
Desdenha dos malsins da bisbilhotice. Só têm tempo para a irrelevante tarefa e vidas mesquinhas, profundamente desinteressantes – e a tua, cativa do olhar alheio, sinal de ser profundamente apelativa (só pode ser). (O que também não interessa a mais ninguém, se não a ti mesmo.)
XI
Desenha a paisagem sideral num papel amarrotado, ou esboça estrofes surrealistas num guardanapo de papel furtado à mesa do restaurante.
XII
Mete nas mãos a alcáçova dominante em teu pensamento, mesmo que te julgues importunado pelo pensamento assim congeminado.
XIII
Aprecia o rio dourado desde o promontório inacessível.
XIV
Recolhe a pontuação máxima na escala das empreitadas esboçadas em estirador aprumado.
XV
Dorme o justo sono, à hora que convier, contra as emboscadas espúrias terçadas nos dedos tendenciosos de outros.
XVI
Escolhe as tuas próprias matérias tendenciosas. Em manifesto espírito de contradição, selando a tua inexpugnável autonomia.
XVII
 Lê. Ouve música (e alto). Canta, sem vergonha. Não dances se não souberes.

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