18.9.17

Os telhados não são de zinco

Courtney Barnett & Kurt Vile, “Over Everything”, in https://www.youtube.com/watch?v=3KNsBCf34fQ    
Diziam que encontravas âncora segura nos telhados. Nos lugares altaneiros, onde as pessoas têm medo de ir; convencionado está que os telhados são apenas logradouros que encimam as casas, e as vertigens desaconselham sua visitação.
Por isso mesmo, arrolavas argumentos a favor da peregrinação ao telhado. Se bem te recordavas, eram os gatos as únicas vivas almas que costumavam alindar os telhados. Sabias não ter a destreza de um gato, nem como eles te achavas intrépido. Nem assim puseste a ideia de parte. Podia ser que os telhados à volta de tua casa – enfim, todos os telhados – fossem matéria movediça, quanto mais para ti, que sempre admitiste um princípio geral de desequilíbrio que vinha das vertigens (ou já não sabias se a ordem dos fatores era inversa).
Partiste em demanda da claraboia que habilitava o telhado escolhido. Não foi fácil. Não podias perguntar ao zelador do prédio, para não denunciares as intenções logo na casa da partida – e o zelador com instruções rígidas para evitar o alpinismo urbano até ao telhado, para evitar acidentes aos aventureiros e para não tutelar danos no edifício. Tiveste de ludibriar o homem. Não foi difícil; como a monotonia da função se presta a uma certa letargia, aproveitaste o momento em que o zelador decaiu no sono. Quando terminaste a subida das escadas e irrompeste pela claraboia, sentiste uma certa epifania. Não percebeste porquê. Não és dado à metafísica e o alpinismo pelo telhado era apenas a ocupação do muito tempo livre que tinhas entre mãos, ou uma das teimosias sem explicação a que te entregas. Talvez fosse da novidade. Nunca tinhas estado num telhado. E se pelos telhados pudéssemos tomar, em jeito de metáfora, o promontório de onde tudo se alcança, e ao promontório só fossem autorizados (mesmo que em contravenção das regras, como era o caso) os escolhidos, tu eras um escolhido. Nem assim percebias a excitação pela descoberta; nunca foras dado ao protagonismo e o que mais prezavas era o anonimato e passar entre os pingos da chuva por causa desse não estatuto.
Meteste os pés pelo telhado. Afinal era tudo diferente. No imaginário alimentado por contos e restante literatura, os telhados são escarpados, matéria alcantilada, as telhas feitas de material escorregadio. Era tarefa arriscada percorrer os telhados assim compostos. Ali o telhado era feito de cimento, sem desníveis. Depressa a epifania se converteu em desilusão. Não eram precisos especiais cuidados. A menos que te aproximasses do precipício, sinal da finitude do telhado, estavas em segurança.
Não demoraste a fazer o caminho inverso, à procura do solo. Um telhado destes, que nem gatos tinha por habitantes, não fazia a diferença do chão pejado de gente que não querias por companhia.

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