12.9.17

Medula

Anohni, “Marrow”, in https://www.youtube.com/watch?v=Rb9XECErMlc    
Dentro do paradigma de uma tempestade sem freio, a pele coberta pelas sombras vertidas no iconoclástico parecer. Podem as condições supor a frágil pertença e apenas um fio delgado, frágil também, prender a existência, separá-la do irremediável perecimento. Mas não se capitula. A insistência, que pode roçar a teimosia, provém da tremenda vontade de viver, sem outro senão que não sejam as doses interiores de pesar que se contrapõem à força necessária para derrotar os sobressaltos.
Parte-se na demanda das forças imperativas para a função. Passando a carne sob a pele, passando o labirinto de veias, atravessando a ossatura que, dir-se-ia, sobeja para arcar as forças precisas para domar as intempéries. É preciso ir ao mais fundo que temos, à medula que gravita por dentro dos ossos. Intui-se que não chega a pétrea condição dos ossos; exige-se algo mais robusto, a medula que cimenta a ossatura inteira e o resto. Os alvoroços não podem ser enquistados numa capitulação. Por mais dantescos que sejam, se os alvoroços nos dobram o braço não entramos no templo enfeitado com as coisas belas que conferem vontade à existência.
Sem inquietações, o seu oposto perde substanciação. Deixamos de saber o que merece ser emoldurado nas paredes onde podem (assim queiramos) desfilar as memórias que merecem púlpito. A existência acaba sitiada pela indiferença, se estiver ausente a capacidade para desenhar desafios. Emacia-se a medula. Ficamos mais frágeis, impreparados para o xadrez sem regras para onde somos atirados. É um jogo ingrato. As forças intimidatórias, as que ameaçam cercear o sossego que se deseja contagiante, sobressaem da nossa fraqueza. Uns grãos na engrenagem, e se a vontade não se arregimenta para pleitear contra as ameaças que se perfilam, depressa deixamos para trás o contágio positivo e somos alvos fáceis da contaminação dos piores instintos. Recusar a transfiguração exige que as mãos mergulhem profundamente até deixarem de ser vistas, até conseguirem tocar na medula necessária, trazendo-a à superfície, matéria salvífica.
Há quem diga que isto tudo não passa de metáfora. E o que conta é o alistamento da vontade, assim ela se desprenda das hipotecas que pesam sobre o firmamento.

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