1.9.17

Limonada


Radiohead, “I Promise”, in https://www.youtube.com/watch?v=0sFvFVkeGVg    
Ó deus do ócio, se é que te é dado a teres existência, desnivela do oráculo a serviço as coisas cheias de seriedade, enfeita o crepúsculo com a nata viva do repouso, propagando o convencimento de que o dia posterior terá a mácula da preguiça. Desfaz os vestígios de pecado que possam naufragar a medula das gentes assim afetadas: não tingem as bainhas da existência os módicos levitares tomados pela madraça atitude.
Componham-se as mesas a eito – ordena o putativo deus do ócio. Nelas amesendem os porventura hereges cultores da inação. Depois, deitem as cartas para a mesa, num jogo estulto que apenas serve para tender o tempo vítreo que se arrasta, indolente, pela tarde fora. O deus do ócio cuida de aparafusar os ponteiros do relógio, para deles não sobrar a impressão que o tempo flui à medida convencionada. O deus do ócio tratou de procrastinar o tempo por intermédio da areia que meteu na engrenagem dos solipsistas relógios. A tribo emacia os pundonores enquanto a dança hedonista coloniza o palco. É como se as gentes estivessem imersas numa doce letargia e, fora do letargo, nada houvesse a importuná-las. O próprio tempo, esvaziado de teor.
O deus do ócio, exultante, mandou que os licores diáfanos corressem as mesas enquanto as gentes tratavam de eleger generais em sua representação, antecipando as incongruências de que viriam acusadas. Mal tomaram o gosto à dionísia representação do abrandamento das horas, dos dias reincidentes que pareciam não ter a habitual moldura obnóxia, as gentes despojaram-se das pesadas indumentárias de outrora, intransigindo em tudo o que fosse vestígio que o pretérito deixasse em legado. De boca em boca, corriam alegres palavras debruadas ao veludo que seria aprovisionamento invernal. Não havia agendas, nem calendas devidamente assinaladas, nem o enclausurar das pessoas à batuta tirana dos apoderados do tempo, ou imposturas afins.
Os candeeiros apenas atiravam uma luz fímbria sobre a escuridão, não dissipando toda a penumbra. Ao menos, ninguém se empenhava na translúcida transposição das suas fracas partes. Mal por mal, antes o teatro que a dantesca posse do tempo assim terçado.

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