30.8.17

Contrarrelógio


Jambinai, “Warm”, in https://www.youtube.com/watch?v=tsEuCyaamZ4    
Eis empreitada impossível: quem consegue vencer o relógio? Deportos mandam os praticantes contra o relógio, numa variedade que se apoda “contrarrelógio”. À partida, já se sabe o resultado quando alguém se atira contra o relógio: perde. Na graduação dos competidores, falta saber quem perdeu por menos. Quem apanhou a menor cabazada do relógio, ou aquele que contou menos tempo na derrota garantida contra o relógio. Não é proeza de que ninguém se possa gabar.
Quem tem a veleidade de se emparelhar numa competição contra o relógio e, em sabendo que a principia como derrotado sem remédio, acha incentivo para tirar partido da demanda? Só se for para derrotar os competidores. Mas, nesse caso, está errado chamar “contrarrelógio” à contenda. A função mede-se no cotejo do atleta e dos concorrentes. O relógio é apenas o intermediário, não o ator principal (como se supõe ao ler “contrarrelógio”). Eis um caso de erro de eloquência dos lugares-comuns assim entronizados na língua costumeira.
Na exterioridade do desporto, há contrarrelógios todos os dias. A toda a hora. Ninguém pode dizer que consegue ficar imune à tirania dos relógios que fazem correr as medidas do tempo contra nós. Por mais que nos apressemos. Por mais que estejamos com urgência em abraçar as empreitadas para as quais se define um estalão, a espada arqueia-se à medida do compasso do relógio que é o contratempo indomável. Podemos fazer de conta: as hibernações, os parêntesis que unilateralmente metemos no tempo, como se fosse possível suspendê-lo, no boicotar do relógio que dita os comandos do tempo que contra nós se insurgem; podemos ensaiar tudo isso e o demais que venha aos braços da criatividade, os ponteiros que acompanham a marcha irresolúvel do tempo não se simulam nos ardis congeminados para fazer de conta que o tempo se interrompe. Também corremos contrarrelógio e estamos condenados a perder.
Há um segredo para caldear o intempestivo malogro? Não temos de dar conta da passagem do tempo. Nem temos de o apressar. Ele segue a marcha determinada. Se o apressarmos, ainda nos faz a vontade. Não adianta a intentona contra o tempo. Podemos amaciá-lo entre as mãos, desligando da corrente as frenéticas vozes interiores que são um clamor ao apressamento do tempo. Na altura certa, já não tem serventia. Nem o tempo, devidamente exaurido. Nem o arrependimento de o termos esgotado a destempo.

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