17.7.17

As marés nas mãos


Mogwai, “I Know You Are, But What Am I?” in https://www.youtube.com/watch?v=NkJx6t2EOAo    
Abria as mãos. Procurava poesia dentro delas, um farol que fosse centelha a desembargar a estrada embaciada, uma vírgula no sítio certo, um olhar acolhedor, as palavras fantasiosas em vez de desconfiança, um castelo proeminente em forma de jura. Abria as mãos à espera que elas pudessem agarrar os sedimentos todos que viessem ao cais. E que nesses sedimentos escondidos, alojados estivessem os segredos para limpar o céu das nuvens inúteis, ao mesmo tempo que a necessidade de chuva fértil não era obliterada.
As mãos trariam das marés um catálogo impressionante de feitos. Com a modéstia imperativa, os feitos não seriam alardeados; sobrariam para as interiores confabulações das veias enrubescidas, à espera, pacientemente, que os tempos venais se esboroassem perante a cidade erguida no sopé das mãos. Seria como um entrega. Um sacrifício que não o seria, mercê das recompensas aladas na improbabilidade de uma resposta.
As mãos abertas continham perguntas, perguntas a eito. Não esperavam respostas que fossem suas rimas. Tudo o que ambicionavam, as mãos sequiosas, era o deve e haver das perguntas que subiam à cena no palco do conhecimento. Para tudo isso, as marés sucessivas eram alimento que às mãos ávidas vinha aportar. Talvez as mãos, em seu movimento elíptico, ensaiando coreografias num imaginado palco montado por cima da cabeça, quisessem aprender no albergue onde campeia o conhecimento em estado bruto. Por isso, as mãos mergulhavam nas águas frias do mar e esperavam pelas diferentes marés. Esperavam que não houvesse remoinhos que, em sua voracidade, trespassassem o pensamento em ebulição. Podia dar-se o caso de um choque térmico entre as mãos tórridas e o mar álgido corporizar um ardil onde as mãos não teriam recobro.
O risco compensava a ousadia. E as mãos afocinhavam, resolutas, nas águas mexidas e frias que as marés diferentes preparavam. As crianças na sua retaguarda esperavam, ansiosas, queriam saber o resultado da demanda. Ele ungiu-as com as mãos ainda molhadas, extraídas ao telúrico mar invernoso. E, em vez de medo exibirem na contrafação das mãos arrefecidas pelo mar, as crianças aguardavam a bênção assim preparada.
No dia seguinte, seria a vez de as crianças mergulharem as mãos no mar tempestuoso.

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