8.6.17

Cabra cega


Nine Inch Nails, “A Warm Place”, in https://www.youtube.com/watch?v=G1vxJb6MQ34    
Se tirasse o tapete ao chão, sentiria a orfandade a oferecer leito aos pés? Dizem que é estulto não precaver os destinos que merecem cartografia nos preparos de um estirador. Dizem: que não se pode vendar os olhos e caminhar sem saber por onde, pois o chão está repleto de alçapões e, em todo o caso, de olhos vendados não é possível saber quando é altura de mudar de direção.
Todavia, muitas são as vezes em que apetece deitar ao caminho sem saber por que caminho arremeter. Um pouco como se fosse o jogo da cabra cega. Os impolutos da certeza, os que têm pavor do menor dos riscos, ficarão boquiabertos, transidos pelo temor, só de pensarem na hipótese (já para não aduzir a impossibilidade de dar sentido material à hipótese). Não é essa gente que carece de cuidados da atenção. Aliás, gente nenhuma é credora desse espartilho. Só importa deixar vogar o corpo nos interstícios de uma maré, deitá-lo nas ondas reviradas que são o mar de fundo de uma corrente que o corpo cavalga, sem pressentir a rosácea soalheira, ou a cor das montanhas palmilhadas, ou a vegetação exótica que vier parar às mãos. Recusando mapas e instrumentos de navegação.
Alinham-se as modalidades do jogo em modo cabra cega: em chegando a um lugar onde se intui a liberalidade de despojar a venda e deixar os olhos com horizonte por diante, os olhos são emprestados ao lugar, crescendo em coro com os segredos que o lugar esconde. Na cabra cega não há lugar ao previsível. Porque o previsível diminui a fazenda faustosa que ficou de emoldurar o pensamento. A jogar à cabra cega, correndo o risco dos imponderáveis (que, a acontecerem, exigem resoluto atalho), jogando com o diadema do fado invisível, até um sobressalto interior subir à cena e se tornar no chamamento imperativo.
Se não fossem homens destemidos a jogar à cabra cega, a civilização tinha chegado (na melhor das hipóteses) com uns séculos de atraso.

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