16.5.17

Mandamentos da felicidade


Julia Holter, “Betsy on the Roof”, in https://www.youtube.com/watch?v=sr6nIWQnTTI    
Interrogam os filósofos (sobretudo os que já estão mortos) sobre o significado de felicidade. E eu concordo: não há ninguém com melhor conhecimento de causa. (Apesar de muitos deles não figurarem entre os que viveram abraçados ao manto da felicidade, o que não os desqualifica para a curadoria do assunto.) Que não seja temerária a função de pensar sobre a felicidade.
É improvável que alguém consiga, num apanhado de poucas palavras, encontrar substanciação da felicidade. A felicidade sente-se, não se presta a uma definição. Possivelmente, esgota-se nas palavras-tentativa para retratar o seu alcance. Se desafiarmos as pessoas a encontrarem as palavras certas para a fotografia da sua felicidade, talvez se percam na incumbência e percam, também, alguns rudimentos da felicidade em que repousam. E a fotografia sai desfocada.
Desconte-se a complexidade da empreitada: felicidade é quando não nos sentimos tomados pela melancolia. Porventura, a antítese será fraca descrição do sentimento; nem sempre a ausência de melancolia hasteia as bandeiras da felicidade. Para muitos, principalmente os militantes da tristeza, a ausência de melancolia já chega para compor os subsídios de felicidade: só o não se sentirem assoberbados pela angústia consequente à melancolia enche os cofres da felicidade. Para outros, mais exigentes na decifração dos estados de alma, a simples ausência de melancolia não é critério para autenticar a felicidade. Pois a felicidade é exigente, não se contenta com o pouco que é (para eles que são exigentes) a demissão da melancolia.
A felicidade é ter consciência que não é perene. É saber que as águas volumosas, aquelas que enchem o peito com os aromas que emprestam aos olhos a paisagem da felicidade, se revezam com instantes de quilate oposto, em que vinga o ar pesado da tristeza. É ter a noção da efemeridade, exigência irrecusável para saber a que sabe a felicidade. Pois se dermos de caras com alguém que ajuramente imorredoira e sem intervalos a sua felicidade, temos de exibir fundada desconfiança: como podem tais personagens jurar que só bebem da fonte da felicidade se também juram, por igual medida, que não conhecem a melancolia?
A felicidade sublime é saber matar os pergaminhos da desgraça que pousa, atenta, na soleira, à espera de vez, à espera de uma simples desatenção. As saudades da felicidade chegam para asfixiar os indevidos magnatas que semeiam os ventos da angústia. A ser apoteótica a tarefa, os estorvos à felicidade são sepultados. Depois, sobra o mais difícil: tomar nas mãos os ingredientes que, em devida proporção e com critério, se transfiguram em felicidade.

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