19.5.17

Depois do labirinto


Parquet Courts, “Stoned and Starving” (live in KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=a5CvZTIoir8    
O mito arredondado por defeito: não sabia dos pesares sem rosto, nem queria ser penhor de antecipadas angústias: em sendo antecipadas, não tinham matéria por dentro; eram apenas pirómanas sem causa. Olhava com atenção para as pessoas tristonhas e afogueadas que ocupavam as ruas com seu andar vagaroso. Pressentia as almas arrancadas a ferros de um lugar de conforto. Pressentia-as, desistentes. Imaginava-as ao início ousadas, a entrarem confiantes num labirinto que não sabiam ser tumular. Depois passava o tempo. Muito tempo. Sem sinais de vida dessas almas. Era legítimo intuir que tinham caído num ardil escondido no labirinto. E por que teriam arriscado uma aventura de que não sabiam haver conclusão acertada?
Diziam-lhe: há quem só consiga morar no limiar do precipício. Só conseguem bombear o sangue se o pulso estiver tomado pelo medo constante, se sentirem uma linha frágil a separar o conforto da aflição, o corpo pendido no sentido da aflição. Juntam as pedras com arestas vivas e metem-nas nos bolsos, acondicionando-as junto ao corpo. Esperam poder seguir caminho sem o estorvo das pedras guardadas. E qual a serventia das pedras, se podem ser fautoras de feridas dilacerantes?
Diziam-lhe, em jeito de interrogação retórica: “Já jogaste ao jogo do labirinto?” E ele, pesaroso, e ao mesmo tempo não convencido das delícias do que propunham, respondia que não. Declinava a experiência. Nunca se esquecera de pesadelos frequentes, ele dentro de um túnel apertado que não deixava transparecer a mirífica luz em seu terminal, o espaço afunilando-se contra o tamanho do seu corpo até que um desabamento caía em cima do pesadelo, esfrangalhando-o (para seu alívio). E por que tinha tamanho pesadelo, se nunca experimentara a claustrofobia de um túnel cingido ao seu corpo – e se não sabia o que era claustrofobia a não ser pelo dicionário?
Ninguém lhe dizia nada. Ninguém podia dizer nada. Os pesadelos são espaços próprios de labirintos insondáveis, que nem sequer a mente que os congemina consegue lobrigar. Sobrava um consolo: há sempre o depois do labirinto. Mesmo dos labirintos escamoteados, daqueles labirintos que foram evitados (ora pela covardia afinal corajosa, ora pelo medo benigno) e que deixam à mostra a paisagem inteira sob a varanda alcançada, como se uma vidraça lisa repousasse sobre os pés apoderados.

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