16.12.16

Noventa segundos

Moderat, “Reimnder”, in https://www.youtube.com/watch?v=cJwsNUoazUg
O tempo que chega para dizer à pessoa amada que as palavras, por plenas que sejam, não chegam para contar o tanto que ela conta pelo amor que deu, nem o que dela sobra quando a finitude do tempo se revelar e tudo não passar de um manto deitado sobre a memória.
O tempo que chega para devolver ao mar as angústias sopesadas, sem remorsos nem ficar sitiado pelas torpezas dos fracos instintos, sem verter uma lágrima por arrependimentos sem lugar, contando ao tempo vindouro as páginas quintessência que hão de reter o tempo em moldura de ouro.
O tempo que chega para destituir adeuses que não devem ser ditos, proclamando as palavras heroicas em forma de poema, sabendo que elas irrompem do peito inteiro, sabendo que elas não se atiram ao ar sem serem antes colhidas pela raiz, pelo mais fundo da sua raiz.
O tempo que chega para apreciar o sortilégio de um entardecer à medida que o sol decai para as cores desmaiadas pela finitude que se mistura com o fio do horizonte, vendo no quadro diante dos olhos a quimera que omite a servidão da morte.
O tempo que chega para remexer o tempo por dentro, questionando os esteios da vontade, congraçando os méritos do pensamento revisitado que traz à superfície um olhar diferente sobre as coisas dantes apreendidas em conhecimento agora refeito, aprendendo que a aprendizagem é um produto efémero.
O tempo que chega para lembrar as pessoas com merecimento, as estradas demandadas, os livros que foram compêndios, a música intemporal, as paisagens apegadas à pele, o mar circense, os animais, as frutas que emprestam cor às árvores, uma centelha que se acendia sempre que a luz parecia apagar-se no fundo afunilado da estrada.
O tempo que chega para aproveitar por dentro todos os fragmentos do tempo, pois na sua escassez o tempo demora-se no infinito que quisermos, estendido na larga paisagem onde contamos os relógios que são os porta-vozes do tempo deixado na pele. Até conseguirmos cinzelar as arestas do tempo e domá-lo entre as nossas mãos.

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