16.11.16

Terraplanagem das ideias

Nitin Sawhney (feat. Nicki Wells & Ashwin Srinivasan), “Nadia”, in https://www.youtube.com/watch?v=mkmnBMxK29Y
Para que serve a filosofia? Para que serve, se não para retirar o véu escuro que se forma diante dos olhos quando os mesmos recusam ideias, ou não deixam rever as ideias por onde transitam, ou não deixam interrogar essas mesmas ideias sobre os seus fundamentos.
A filosofia serve para destruir a efervescência que emascula as ideias, como se elas fossem à prova de interrogatórios. Serve para não ter vergonha de tergiversar no altar das ideias que, a certa altura, passam soar a ideias feitas. Serve para raspar o verniz das coisas, para as ver por baixo do que elas mostram. Serve para se aprender a fazer perguntas. As perguntas que vierem a propósito, as singelas e as complexas, as que não tiram o sono e podem ser revelações, as que não se tencionava formular antes de todos os questionamentos telúricos. Serve para esquadrinhar o húmus à procura de camadas mais fundas. Serve para terraplanar as ideias. Para retirar a camada de inertes que as deixam mergulhadas num atavismo qualquer, mesmo que sejam ideias profusamente tidas como modernas; pois o que interessa não é a contemporaneidade das ideias aos olhos outros, não importa o seu juízo feito por fora de quem as concebe.
A filosofia serve para atirar as questões para cima da mesa. Não vem ao caso saber se são as interrogações certas, ou se erram o alvo por defeito. O que conta é a capacidade para aprumar as interrogações que abraçam o pensamento ao fuso onde gravita o movimento perpétuo que nos obriga a não estiolar no sopé da inércia. Serve para continuarmos a ser. Sem remorsos, sem juízos de moral, sem placagens do tempo pretérito, sem combates teimosos com os fazedores da razão, sem reservas mentais, sem resguardar o reduto das ideias. A filosofia não serve para uma ostentação para o exterior de nós; desse modo não passa de exercício de vaidade espúria, uma erudição ostensiva que não cuida das fronteiras por dentro.
A filosofia é um ato individual. Com a ajuda dos filósofos conceituados, dos filósofos com que aprendemos, dos filósofos de que acabamos por discordar (pois também aprendemos com as ideias de que discordamos). Ou através da sua mais simples manifestação: a de tudo questionar, em diligente ensimesmar, num constante movimento de insatisfação com as respostas propostas na seiva de cada interrogação anterior. A filosofia serve para não desaprendermos de formular perguntas.

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