20.10.16

Motim

Protomartyr, “Want Remover”, in https://www.youtube.com/watch?v=qO7lmiUQdm8
Só em caso de urgência: quando tudo se atropela num caos não programado e apetece ser fautor de um motim. Quando apetecem as palavras proibidas, as provocações lesantes, uma insurgência cheia de estilo em que nada fique de pé como dantes. Um motim em forma de terramoto. Com devastação pelo meio. Para acordar a multidão da letargia. Para serem demitidos os efeitos sumários que preenchem o horizonte, emprestando-lhe as cores da anestesia.
Um motim. A começar de dentro, sentindo os esteios a serem abanados por um abalo telúrico. Sentindo uma força heurística a subir desde as veias até explodir nos olhos insaciáveis, neles vertendo um ânimo dantes omisso. Sentindo como se moldam as palavras com um efeito plástico, extraindo-lhes a superficialidade que as cobre para, uma vez nuas, mostrarem a pureza que as compõe. Sem ter medo dos medos que são cuspidos por demónios que elucubram as prisões mentais que deviam ser residência imperativa.
Um motim. Contra os jokers que proclamam pesporrência, cobrindo o espaço que ocupam com uma altivez exasperante. Contra as irritações sem sentido. Contra as contrariedades que aparecem debaixo dos pés, sem pré-aviso. Anotando num caderno pequeno as palavras que depois merecem cuidados, em ensaios de eloquência – mesmo que não passem de ensaios. Um motim intransigente contra as mordaças que estorvam o livre arbítrio. Denunciando os arquitetos de uma ordem que disfarça a obediência imperativa a uma ordem estabelecida, proibindo as interrogações incómodas só porque hipotecam os alicerces da dita ordem.
Um motim, enfim, arrasador para a penumbra que embacia a memória, desatando-a dos seus nós às molduras feitas que pretendiam locupletar o tempo vindouro. Um motim que desarme as vetustas linhagens. Sem receio do vazio que possa vir depois. É um custo necessário. Pois um motim só se congemina quando a desaprovação do tempo corrente e das suas feições maiores convoca a necessidade de um motim. Ou o motim como ordem metódica que tira os freios ao solipsismo, fruto envenenado que dispensa a utilidade do tempo existente e cultiva um demencial ensimesmar.

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