16.8.16

Promessas falsas

Angel Olson, “Shup Up Kiss Me”, in https://www.youtube.com/watch?v=nleRCBhLr3k    
Tantas vezes atraiçoamos a medida do tempo quando juramos ser derradeira uma vez em que se compõe um cenário, ou que certas palavras são proferidas, ou que determinado comportamento é cinzelado. Uma última vez que o tempo posterior declara fracassada, mercê da recorrência do cenário, das palavras, ou do comportamento que se havia jurado terem sido vezes últimas.
Às vezes, sobressalta saber que a última vez não foi última vez nenhuma – é como se o próprio tempo, ou apenas a vontade, ou só a conjugação das circunstâncias, atraiçoasse os sentidos. Outras vezes, a razão da desmemória previne a tomada de conclusões: a neblina do tempo torna as recordações opacas. Para certas pessoas, a última vez frustrada é uma apoquentação, a raiz quadrada de uma ausente coerência que fermenta uma dor interior difícil de aplacar. Para outras pessoas, a frivolidade de tudo ajuda a tolerar as últimas vezes que, afinal, mereceram repetição: só o são, vezes derradeiras, enquanto não forem decretadas efémeras pela conjugação de elementos que cuidou de as sufragar ao temporário.
É mais frequente o definitivo intrometer-se sem notícia, ou sem termos feito provisões cautelares a tal propósito. Não precisamos de decretar uma última vez para que ela aconteça. Quase sempre, nunca sabemos se um acontecimento, uma palavra, ou um comportamento tiveram palco pela vez última; o jogo das probabilidade acentua a hipótese de virem a acontecer mais tarde, sem pré-aviso, pelo simples jogo das circunstâncias aleatórias – ou não. Na falta de inventariação das vezes efetivamente últimas, podemos ser atores de acontecimentos, podemos proferir palavras, ou podemos cair em comportamentos que não sabemos, nem podemos saber, que são episódios últimos. A ironia está no paradoxo das coisas: às vezes que juramos, ou apenas julgamos, terem sido últimas vezes e frequentemente elas o não são; e tantas são as vezes únicas, ou outras que o não sendo à partida não merecem repetição, sem que elas venham inscritas no rol das últimas vezes.
Por isso digo que não adianta sermos prisioneiros da perenidade. É inútil proclamar vezes últimas. Porque se podem reiterar, para desilusão de quem as julgou definitivas. Ou, simplesmente, por não ter utilidade registar em folhas solenes (porque o perene merece tamanha solenidade) o que julgamos ser vez última. Não interessa. De cada vez que temos a impressão que uma vez foi derradeira, é um atalho para a finitude da existência.

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