2.8.16

O fogo que arde antes de se ver

Shriekback, “This Big Hush”, in https://www.youtube.com/watch?v=6B1qxn-RoWA
Uma lanterna que deixa de ser precisa: a destemida claridade ocupa o lugar das trevas outrora imperatrizes. Uma claridade incensada numa fonte que irradia de um manancial imprevisto.
Arde um fogo. Um fogo que nasceu para ser o assisado farol que deita a claridade por diante em sucessivas camadas, deixando ver o chão por onde os pés têm mapa. Um fogo imponente, que tudo ilumina à sua volta. Um fogo que, todavia, não é uma soalheira irradiação. É como se fosse possível ter um fogo gelado, em contraponto com a possível hipótese do gelo que queima. É um fogo que se pressente antes de se fazer notar com as chamas vivas que bolça para o exterior. Ao jeito de um vulcão, pressente-se mercê do estremecimento que abala os esteios por dentro. O estremecimento é o pré-aviso do fogo que está para irromper. Do fogo que arde antes de se ver. Fazendo-se valer das veias ferventes que querem vomitar uma explosão para fora de si. O corpo em urgente demanda de sair de si mesmo, projetando-se em mil diferentes imagens através de uma erupção tormentosa, numa explosão de chamas que reproduz no céu do mundo inteiro imagens desmultiplicadas do corpo em erupção.
Mas esse corpo não se oferece ao mundo em colossal ousadia. A projeção para os céus não é sinal de colonização de nada. Apura, apenas, a urgência em sair de si numa explosão que o atire cá para fora, celebrando os deslimites de si mesmo. Porque o corpo arde por dentro, numa ebulição constante que deixa à mostra o fogo que arde antes de se ver. Arde por dentro por não aguentar os atilhos que o prendem a uma castração que insinua a implosão do corpo.
O fogo que arde antes de se ver é a hipótese da libertação pressentida. Como se um sol inteiro despontasse por dentro da mais elementar matéria do corpo e se aprumasse em torrente imparável. Atirando para fora de si uma explosão de fogo que é um gutural clamor para a reivindicação do corpo. Nessa altura, o fogo que arde já se vê.

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