15.8.16

O (eterno?) regresso à casa da partida

Cocteau Twins, “Crushed”, in https://www.youtube.com/watch?v=Wgv08gsexfc
Imprestáveis movimentos sísmicos. Não cuidava de mudar os esteios por dentro, a tinta apessoada tão dura de digerir que não havia sobressalto que a conseguisse decapar. A todo o momento, o corpo virava-se e, num ápice, estava na casa da partida. Todas as cartas rogatórias propaladas pelo futuro eram incineradas numa pira. Ou, então, era apenas para precatar a feição beócia, sempre difícil de desajustar do vestuário à mostra, seu ingrediente imprescindível, herdada de outrem.
Havia promessas de meter os pés por diante, por um diante qualquer, sem cuidar de saber, à partida desde a casa da partida, onde seria o por diante demandado e o seu corolário. Uma e outra vez, promessas desalinhadas, em vão os resultados. Um sedentarismo existencial. A desarte de nunca sair do mesmo sítio, a desarte de não deixar de ser o que sempre fora (mau grado as pequenas variações de personalidade, atestadas pela permeabilidade aos muitos outros que passavam, vorazmente, pelo seu horizonte).
Enquistado nas estáticas barbas da existência, parecia um cão quando empreende furiosamente contra a cauda que, notou a certa altura, teria vida própria: um terrível erro de julgamento somado à linhagem beócia. Quando findava a perseguição à cauda mundana, e quando julgava que tinha dado tantas voltas que quase uma inteira volta ao mundo tinha sido medida, continuava na casa da partida. Com o mesmo conhecimento de antes. Com a mesma nula visão de um mundo que não passava de uma coisa muito periférica. Diziam-lhe alguns que devia cercear os freios que vinham de força estrutural, força que se tinha por sua simbiose; que devia caminhar usando os atos volitivos de que a sua individualidade era tutora. Mas a pez impregnada, a tacanhez embebida nos mais profundo da carne, a viscosa concatenação com o ser influente, eram o freio que o não deixava sair da casa da partida, como se os pés estivessem hasteados ao chão, inamovíveis.
E diziam-lhe, em remate, que continuavam a ajuramentar a sede de mudança. Para, enfim, poder meter a mão na carta de alforria. Desligando-se da casa da partida. E medrar no púlpito da vontade.

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