12.7.16

Torpedo de chocolate

Antony & Lou Reed, “Candy Says”, in https://www.youtube.com/watch?v=oUUANzSB2Uc
Diziam que o chocolate amaciava as iras. Que era um feixe de bonomia que irradiava na direção de quem o comesse. Não havia mal que não fosse cominado através do chocolate.
Um dia, um filantropo encheu-se de mesuras e encomendou a uma equipa de sábios cientistas uma arma que fosse letal para as guerras – letal para as guerras, no sentido de as dissolver a insípidas gotas incapazes de produzirem mal. Era o torpedo de chocolate. Haveria de ser usado nos países que estivessem mirrados pela melancolia. Dirigido apenas às pessoas que tivessem tal padecimento. Convinha fazer a inventariação das almas com interiores padecimentos que desaguassem em melancolia. O torpedo de chocolate também seria disparado contra países que se exibissem em pose bélica, querendo agredir países vizinhos ou os seus súbditos que dissidissem da ordem instalada. O torpedo de chocolate seria, ainda, arma contra os que estivessem possuídos pelo desamor.
Os cientistas foram convencidos por peritos de coisas outras que o chocolate tinha milagrosas capacidades. Uma vez convencidos, não demoraram a meter mãos à obra. O torpedo de chocolate foi inventado sem demora. O filantropo comprou vastas plantações de cacau nos sítios mais famosos pela produção da matéria-prima. Contratou conceituados mestres chocolateiros. Montou fábricas em sítios estratégicos, pelos quatro cantos do mundo. Não queria que as pessoas continuassem tristes. Não queria que houvesse países vis ameaçando vizinhos países por comezinhos assuntos (que as contrariedades das guerras são sempre comezinhas coisas). Não queria que ninguém fosse apartado dos braços do amor. O chocolate começou a rivalizar com a chuva. Era um chocolate que não derretia por ação da tepidez, nem dissolvia por ação da chuva, nem congelava ao tomar contacto com a neve.
Foi certo: subiu o peso médio dos habitantes do mundo. Umas quantas maleitas causadas pela gordura do chocolate foram identificadas. Umas tratadas, outras – as mais excessivas – irremediáveis. Mas era custo aceitável ao sopesar as vantagens do torpedo de chocolate. O que o filantropo e os cientistas sábios não calcularam, foi que a extinção da melancolia, das guerras e do desamor tornou os seus opostos irrelevantes matérias, de tão banais.

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