7.7.16

Road to nowhere

Portishead, “Roads”, in https://www.youtube.com/watch?v=Vg1jyL3cr60
Não me tentam nada as estradas que vão de um ponto a outro, de que sabemos à partida a quilometragem e a direcção; tentam-me as estradas que não vão dar a nenhum ponto. (...) Embarcar num navio que nunca chegará, rumar por mapa e bússola ou goniómetro para o porto que não existe; meter-se uma pessoa ao maior jogo, sem jogar. (...) Jogar a vida, mas não jogar nada dentro da vida”. Agostinho da Silva, in Sete Cartas a um Jovem Filósofo, 1945.
As estradas que apetecem: aquelas que não têm toponímia. Aquelas que parecem rastos perdidos no meio de uma imensidão que insinua o nada e, todavia, comporta tanta inteireza. Pois são essas estradas, as vadias estradas que fogem às estipulações, que se abraçam a árvores frondosas de onde vem o vento sem norte, indomável. As estradas que não precisam de mapa, ou aquelas que, em dele precisando, só pedem um mapa que seja uma folha em branco estendida no meio de um céu que é um campo de estrelas. Estradas que não se sabe onde nos levam. Apenas se sabendo que aportam algures, na incerteza do que comporta o algures que se desembainha quando a estrada chega a seu cabo. Estradas retas, estradas com curvas retorcidas, estradas que sulcam planícies que parecem não ter fim, estradas que devolvem os segredos da serrania, estradas que beijam a orla de um lago, estradas que demandam a companhia de um rio. No imperativo de não escrever um rumo; exatamente no seu avesso, deixando que o rumo seja a matéria espontânea que se compõe nos interstícios do ar arrecadado, sem que seja preciso perguntar à gente nativa como chegar a um lugar. Porque a estrada que se percorre é a antinomia de um lugar. Ou, em chegando a um lugar, é apenas uma etapa que deixa a sua transitória impressão. Recolhemos do céu, que é um campo de estrelas, os rudimentos que nos conduzem como se fossemos nómadas, errantes nómadas. Os olhos não se enamoram pela toponímia que empresta espessura às estradas convencionadas. A toponímia cerceia a identidade dos lugares, torna-os iguais. Por isso, a vida ganha-se nos dados lançados no grande e aleatório jogo onde se desenham as estradas sem norte. As estradas sem cais prometidos. No jogo sem sombras em estrada feita em campo aberto, à espera que do jogo se ensaie um devir magistral.

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