8.7.16

Estado da noção

Underworld, “I Exhale” (live at KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=RGu7Pw74ghk
A personagem que insiste no discurso ininteligível. As coisas não fazem sentido. Ou, quando começam a fazer sentido, enxerta assunto improvável na conversa, sem que o assunto anterior tenha sido arrematado e sem meter trave por baixo da conversa, como quem adverte: “mudando de assunto”.
O ar lunático compõe a personagem. A camisa meio desfraldada, camisa devidamente florida, punho desabotoado de um lado, mas não do outro, o fecho das calças a meia-haste, a lingueta do cinto pendida sobre o bolso lateral das calças. E um copo na mão, sempre um copo na mão para fermentar o bizantino discurso que se entaramela nas dobras da língua que passam a existir por favor das bebidas brancas que tomam corpo no copo que habita na mão. Não era preciso ser parado pela polícia e expirar dos pulmões o bafo etilizado, que o procedimento é rotineiro. Era melhor um colóquio de doutores das almas para passar atestado de surrealismo ao ator do discurso indecifrável. Para atestar o seu estado da noção. De si e do que o circunda. Ou, porventura, para afiançar o elevado teor de desnoção que não lhe é apoquentação, porém.
Nunca vi a personagem a não ser embriagada. Admito que não foram muitas as vezes que passou à frente dos olhos. Atendendo à amostra (das vezes), fiquei com a impressão que a personagem é capaz de elevar um braço e morder um pedaço do céu enquanto muda o mapa das estrelas. Capaz de beber um shot de sumo de malagueta e cuspir gelo. Ou capaz de não se impressionar com as proezas de uma malabarista caduca e logo a seguir se estatelar na escadaria sem verter uma pinga da bebida que se desarranjou no copo, pois é preferível salvar o copo e o seu conteúdo do que partir dois dentes. Sempre indiferente ao estado da noção. Sobretudo de si mesmo.
Invejo-o. Parece-me que nas fases lunares em que vira do avesso o seu estado da noção, a personagem inventa um universo que o apazigua. Como se fosse uma anestesia geral sem o condão de o deitar na sonolência. Mas o que interessa o estado da noção, se a noção é um ardil bolçado por alguém no exterior e pode contaminar as veias extravagantes e singulares da personagem sem noção do seu estado?

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