2.6.16

Não me vais lavar a alma

Her, “Five Minutes”, in https://www.youtube.com/watch?v=sqM3APrfijU
Maus conselhos. Alternativas abortadas. Olhos embaciados pelo fulgor de um verso afinal atulhado de nada. Maus conselhos, outra vez. E o transcendente direito de ter opinião sobre a vida dos outros. Formulando juízos contundentes sobre as andanças alheias. E medrando numa tremenda incapacidade para mergulhar no seu interior, para apreciar o estado às vezes calamitoso em que a alma própria se encontra.
Dito de outra forma: as esquinas do mundo não são lugares confortáveis para deitar o olhar nas almas outras. Pois a ninguém é conferido o dom de se transfigurar na alma outra anatomizada. A ninguém é, sequer, permitida a ousadia de tirar as medidas ao sangue que corre em veias que não são suas. Ninguém é tutor de almas outras se não da alma própria. Oxalá a espécie aprendesse. Oxalá não houvesse gente que se amesquinha (sem, contudo, dar conta) ao querer subir a um púlpito de onde assina decretos e sentenças sobre as outras almas. Decretos sem consulta e sentenças sem recurso, que a presciência dos julgadores não admite reticências.
Fico encantado com a possibilidade de exibir oposição quando chegam ao ouvido sentenças subliminares que sobre mim julgam atitudes. Apetece transgredir. Apetece escorregar para a notória incoerência, se a incoerência for precisa para a provocação de quem se julga julgador da alma minha. Apenas para deixar solevar o prazer da contramão. Pois a contramão é o critério ajuizado para responder aos distintos magistrados que apuram a validade das almas outras.
Os banhos medicinais de que a alma carece só podem ser determinados a partir dela. E se a alma teimosamente escolhe a transgressão, que se façam funcionar os mecanismos da justiça dos homens caso a transgressão assuma foros de crime. Caso contrário, nem sobra agradecimento pela generosa atenção que os lídimos curadores de almas (que julgam) tresmalhadas dedicam a essas almas. É cuidado que se dispensa. Os banhos da alma resultam de uma introspeção.
Em caso de dúvidas que persistam, aconselha-se os putativos curadores de almas tresmalhadas a sondarem a etimologia de “introspeção”. Na sua natureza, um ato individual. Como o que diz respeito ao apuramento do deve e haver das almas.

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