19.5.16

Diamante bruto

Radiohead, “Daydreaming”, in https://www.youtube.com/watch?v=TTAU7lLDZYU
Dos diamantes em bruto diz-se que precisam de lapidação. Antes de serem lapidados, só são matéria bruta com toda a riqueza contida, mas sem as feições aperaltadas como convém ao mundo sedento de um envoltório deslumbrativo que componha os propósitos de fortuna.
Dele se dizia ser uma espécie de diamante bruto. Não era diamante “em bruto”; era de uma bruta dimensão. Não convocava especiais cuidados no trato com as pessoas. Talvez boçal aos olhos dos mais sensíveis, defendia-se, de si dizendo tratar-se de pessoa eivada de franqueza – e a franqueza podia ser (mal) entendida como ultraje pelos seus recetores. Como não entendia por que devem as pessoas andar com afetos a tiracolo quando se articulam umas com as outras, desaprovava a afabilidade. Diplomacia não era palavra incluída no seu particular vocabulário.
Às vezes, fazia gala em exacerbar a brutidão. Implacável, desferia palavras que pareciam golpes mortais. Quase sempre, os visados, não estando à espera de tamanha descortesia, ficavam impassíveis. Ele tirava partido. Subia ao zénite da insensibilidade e humilhava os alvos do dia, atropelava-os até os reduzir a um nada. Saía da peleja com um orgulho singular. Aprazia-lhe maltratar pessoas, sobretudo as que nada ou pouco lhe dissessem. Era incapaz de fazer um pedido – num café, numa loja, num restaurante, na repartição de finanças – com formulação de um obséquio como adjacência ao pedido. Julgava que devia ser servido por quem tinha funções de serviçal, o que, por junto, era o caso de todos os exemplos atrás mencionados (e de outros que agora escapam à lembrança). À criadagem – interiorizava, convencido do estatuto altivo – não se pedem favores, atiram-se ordens.
E, todavia, os que o conheciam por perto sabiam que este lado mais visível era apenas um verniz que, porventura, escolhera como abrigo contra as contrariedades da sociedade. Esses, que o conheciam por perto, gabavam a sua ímpar sensibilidade. Enalteciam a generosidade descomprometida, só exercida para um reduto de gente próxima – e só quando era necessária. Dele diziam ser uma alma genuinamente boa. Pergaminhos que não quadravam com a grosseria de que se chegava a ufanar ao cabo de um dos inúmeros exercícios de humilhação pública de outrem. Era um diamante. À espera de ser lapidado.
Os mais chegados achavam que lhe faltava calhar em sorte uma mulher que fosse sua alma gémea. Só não se entendia como uma alma gémea, em sendo a sua semelhança, conseguia lapidar o homem diamante bruto. Os mais matemáticos que se pronunciavam neste sentido, lembravam que a soma de dois negativos dá resultado positivo.

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