24.3.16

Dos escombros

Peixe : avião, “Camaleão”, in https://www.youtube.com/watch?v=3vnKzb0jRdc
Não são as ruínas que depõem. Não são os esgares entristecidos dos escombros espalhados pelo chão que tomam conta da letargia. Não interessam as devastações. Não interessa se nelas fundeia desesperança. Pois sabemos que virá um entardecer tão belo que excede a feiura dos destroços que contaminam o olhar.
Reprimimos as lágrimas por sabermos que as fontes da angústia se secam diante dos sedimentos puros que encontramos entre a poeira indistinta. Vamos beber a esses sedimentos, por mais encardidos que os encontremos entre os escombros. Limpamos a poeira que os turva e descobrimos uma centelha luzidia a rir-se para nós, devolvendo o sorriso ao rosto dele ausente. Dos escombros, trazemos os corpos para cima, que levitam numa leveza singular. Não nos deixamos derrotar pelo peso do chão repleto de ruínas. Não deixamos que os corpos se arqueiem na vetusta condição de quem se depôs ao arbítrio da devastação.
Podemos aquartelar a melancolia, e até o pavor, nos interstícios dos escombros, quando rastejamos à procura de um firmamento que deixe ver o sol. Espreitamos entre as ruínas, esgravatamos com as mãos já feridas entre as trevas que são teto. A vocação para perseverar é sinal do freio que se libertou dos fantasmas que selam a escuridão medonha por dentro dos escombros. Quando um feixe de luz se insinua entre os rasgões das ruínas, os corpos encontram vigor por dentro. Furtam-se aos escombros que se deitaram no tabuleiro onde há peças que são algozes. Dos escombros, os corpos levantam-se. Renovam-se. Os gritos em surdina são um módico de ânimo igual.
Dentro da finitude de tudo, os escombros são telas efémeras, condenados ao malogro pela vontade em refazer tudo. E tudo, se preciso for, a contar de uma folha em branco, depois de vertidos os destroços numa escombreira onde fiquem emoldurados para efeitos arqueológicos. Pois há contratempos que ameaçam tudo arruinar, mas são força heurística que convoca a reinvenção de tudo. A contar de uma folha em branco.

Sem comentários: