8.2.16

Da cortesia

Parquet Courts, “Pretty Machines”, in https://www.youtube.com/watch?v=7GH7RfjLb1c
Era um lugar franco. Um lugar onde apetecia habitar. Havia confiança. A bandeira da desconfiança não conseguia ser hasteada. Mal houvesse um sinal de desconfiança, uns laivos de perfídia entre os cidadãos, uma força espontânea tratava de desequipar a bandeira da desconfiança.
Os cidadãos tinham modos. Não era como naqueles lugares preenchidos pelo odor fétido onde as pessoas arrabinadas poluem as ruas, onde a boçalidade se tornou genética, onde até os manequins desfilam com cara de poucos amigos. No lugar onde a cortesia era hino, os cidadãos tinham sempre um sorriso a enfeitar o rosto quando interagiam com os outros. Dizia-se, com prova documentada em estudos científicos fidedignos, que a cortesia a rodos era o esteio da confiança. Que, por sua vez, era o esteio da grandeza daquele lugar. Podia não ser o lugar com mais abastança, ou até o mais justo na distribuição da fortuna, mas os valores materiais vinham numa segunda, ou terceira, ordem de grandeza.
Os cidadãos não suportavam arrogância. Nem a vanglória dos pequenos de espírito que ostentavam o que julgavam ser a sua superioridade. Mas até as dissidências eram tratadas com bondade. Não eram desertores, nem apoucados pela dissidência. Quando alguém fazia notar a traição aos modos corteses, a advertência não era feita com ar de reprovação. A cortesia continuava a imperar. E a liberdade que vinha de par com ela, também: aos dissidentes era lembrada a liberdade de o serem, esperando-se que não desfizessem a cortesia que era o húmus dos cidadãos. Sem lhes ser mostrado que os corteses eram os bons cidadãos e eles os maus cidadãos.
E assim se celebrava um pacto de não agressão. Reiterado ao longo dos tempos. Havia reciprocidade no respeito. E reciprocidade na liberdade de ser: os cidadãos corteses não queriam reeducar os sorumbáticos e estes respeitavam a cortesia sem responder com agravos – era a sua particular forma de serem corteses, sem exibirem a cortesia dos demais. A cortesia, com direito a inscrição na Constituição, continuava a ser um modo de vida. Era assim que as pessoas gostavam de comunicar, de existirem em conjunto. Era assim que elas se julgavam plenas.
A cortesia continuaria a ser esteio. Sem ser preciso defini-la em manuais nem ensinar a sua prática nas escolas.

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