1.12.15

O mundo está soalheiro

We Are Enfant Terrible, “Filthy Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=nwOkdAHBGGU
Dezembro já é hoje. O natal não demora. E o fim do ano, também. Estamos nos alvores de um ano novo que se promete melhor. Em rima com o deslumbramento dos tempos vindouros, a alvorada mostrou um céu impecavelmente azul. As crianças exultam. Os adultos não têm razões para andarem sorumbáticos. E até os velhos, dantes condenados à desesperança, renasceram.
Os homens e as mulheres são, agora, varões e pitonisas (respetivamente) da boa vontade. As análises são um viveiro de prosa poética, reproduzindo em letra de forma a felicidade que tomou conta das pessoas. Já não há insónias. Nem penumbras a pesarem sobre os olhos cansados. Já não temos medo do futuro. Nem nos intimidamos diante das promessas do futuro que são uma reinvenção da retórica: são promessas garantidas antes do tempo, ajuramentadas por gente de bons pergaminhos, gente que nasceu para aspergir a outra gente tanta com pétalas de rosas perfumadas e um céu perenemente soalheiro. Já não há noite medonha, nem sons guturais amedrontando o sono, nem nuvens carregadas que ameaçam dilúvios mortíferos, nem aleivosias orquestradas nos gabinetes. Agora a maré é bondosa. Agora é tempo de dizer agora, quando dantes as pessoas tinham saudades do passado que fora magnânimo. Agora as cores estão todas na paleta à espera de serem usadas, democraticamente usadas, pela gente que voltou a ter a mão na autonomia.
O dia amanheceu soalheiro. Está soalheiro por todas as horas que o compõem. Fica soalheiro até quando dantes vinha a penumbra e o sol se encomendava à noite. Agora não há noite. (Ou só há noite quando às pessoas apetece.) Agora metemos os dias tristonhos nas alcáçovas da memória, guardamo-los para memória futura, para que não sejam esquecidos a hibernação a que fomos aprisionados. O mundo soalheiro é um viveiro de emoções desembainhadas. O esteio das pessoas na sua grandeza infinita.
Não nos esqueçamos de um agradecimento penhorado. Aos fautores de tanto sol que irradia em vez das nuvens plúmbeas de outrora. Antes de sentirmos que o mundo soalheiro de hoje é um aviso de receção do mundo penhorado de amanhã. O que vale, à análise tremendamente poética, é que o amanhã pode não chegar a sê-lo. Até lá, o mundo permanece soalheiro.

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