21.12.15

O mau da fita esqueceu-se do disfarce numa festa de canibais das ideias

Beck, “Devil’s Haircut”, in https://www.youtube.com/watch?v=aa3rBVb3v4g
Tinha uma missão (ou, pelo menos, assim julgava): espalhar a maldade, sobretudo entre os inocentes e, em particular, entre os que estivessem tão desprotegidos que seriam vítimas passivas das suas aleivosias.
Uma vez perguntou às entranhas como tudo começara. Andou uns dias com a cabeça feita em água por causa do vazio de respostas. Intuiu que a interrogação não fazia sentido, muito menos as respostas que não conseguia encontrar. Se calhar, era o seu fado: praticar a maldade e comprazer-se com isso. Tinha um passatempo favorito por alturas das vésperas natalícias: estragar o natal aos petizes. Quando tinha oportunidade, dizia aos meninos que sonhavam com a visita do pai natal condutor de uma junta de renas que a personagem era um embuste.
(Ato contínuo, esclarecia o significado de embuste, que as criancinhas porventura ainda não sabiam.).
As criancinhas, depois de uns instantes iniciais de queixo caído, decaíam em sonoro pranto. O choro convulsivo era música para os ouvidos do homem entronizado satanás. Uma vez, conseguiu disfarçar-se de pai natal, contratado a preceito para as ruas da cidade em bulício pré-natalício. As pessoas andavam na azáfama de quem deixa os presentes para o fim e as crianças deixadas em itinerante babysitting caíam no colo do pai natal para a fotografia da praxe. O malvado dizia-lhes, enquanto posavam para a fotografia, que ele não era o pai natal, que era um gatuno que tinha roubado as roupas do pai natal, e que o pai natal não existia. Não por acaso, as crianças fotografadas exibiam um esgar de pré-choro.
(As criancinhas, embebidas na felicidade do momento e ainda imberbes, nem davam conta da contradição argumentativa do pai natal; ainda não estavam talhadas para a retórica.)
Um dia, o diligente praticante da maldade foi apanhado na ratoeira que costumava industriar aos outros. Sentia estar dentro de uma pele diferente. Era como se o disfarce de malvadez tivesse ficado algures. Não conseguia arregimentar pensamentos pérfidos, nem alinhavar atos maldosos para vitimar os inocentes que aparecessem pelo caminho. Só vinham coisas belas ao pensamento. Se calhar estava doente. E a doença cerceava os instintos mal-intencionados. Teve um rebate de memória: na véspera, tinha ido a uma festa onde esteve reunida a casta dos canibais das ideias. Aprendeu muito. Tanto que, no dia seguinte, alguém lhe erradicara os ruins instintos.

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