9.12.15

As escadas da fortuna

Beck, “Everybody Gotta Learn Sometime”, in https://www.youtube.com/watch?v=PaI1sLqFOuE
No meio da praça principal, mesmo junto à estátua do poeta, meia dúzia de pessoas vestindo toga amarela abeiravam-se de quem passava nas imediações. Faziam um convite. As pessoas deviam subir a escada alcatifada com um tapete carmim e luzes psicadélicas a piscarem nas bordaduras. Os sacerdotes de uma coisa qualquer (não apresentavam credenciais) prometiam que ao cimo da escada estava um palco onde as pessoas podiam chamar a si a fortuna.
O palco estava dentro de uma caixa envidraçada, mas com o vidro baço. As pessoas desconfiavam. Não é todos os dias que alguém dá de graça o que quer que seja. E quando alguém pratica filantropia, o espírito que capitulou às desmaravilhas do materialismo manda dizer que a bondade gratuita se paga, e com juros, quando vier o futuro. Não houve vivalma que subisse as escadas mal o convite dos encapuzados de amarelo era feito. As pessoas perguntavam, queriam saber mais sobre a geringonça a que as escadas levavam. Os encapuzados tinham instruções para não decaírem. Não podiam dar explicações. Até eles não sabiam o que havia mal as portas ao cimo das escadas fossem franqueadas.
As pessoas eram convidadas a experimentar o escuro, e beber nas águas da contingência. Algumas, hesitantes, subiram a escadaria. Sentiram o aveludado da alcatifa, como as luzes intermitentes pareciam produzir um efeito hipnótico. Evitavam olhar para os néones, pois não queriam abdicar da vontade própria. Algumas subiram julgando que um tesouro aberto poria fim às dificuldades nas finanças pessoais. Outros aventuraram-se na convicção interior de que as apoquentações imateriais teriam solução. Outros queriam deixar de fazer parte dos desempregados. Ainda houve gente mais modesta, que meteu as pernas ao caminho fazendo juras em nome de filhos e netos. Gente houve que montou na escadaria convencida que a fortuna desejada era uma constelação de coisas banais e de coisas extravagantes. Alguns recuaram no topo das escadas, faltando coragem para abrir a porta que conduzia ao palco.
Os que entraram não conseguiam lembrar do que estava lá dentro. Nem do que aconteceu enquanto estavam de visita ao palco que prometia fortuna garantida. Saíam sorridentes. Leves. Nenhum foi à procura de mais explicações junto dos encapuzados de amarelo que estavam do lado oposto ao da saída do palco.
Não se chegou a saber em que consistia a fortuna garantida. Talvez fosse apenas o convencimento de que alguma fortuna existia. As pessoas, quando motivadas como deve ser, acreditam. Numa coisa qualquer. E devem acreditar que acreditar compensa.

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