30.11.15

Teoria do eleitor insurreto

System of a Down, “Toxicity”, in https://www.youtube.com/watch?v=iywaBOMvYLI
O eleitor insurreto fermenta em descontentamento. Vai de descontentamento em descontentamento, votando em forma de pontapé no traseiro de quem acabou de habitar no poder. E alimenta uma esperança vã, nunca confessada, porém, de que os escolhidos, apenas escolhidos com o mister de desapossarem do poder os que o maltratam, não façam do poder sucessivo um ato lesivo.
Mas o eleitor insurreto, que parece não aprender a não ser com o deleite do ato destrutivo de alguém do poder despojar, mete em hibernação as esperanças quando começa a medir o diapasão dos que ele ajudou a alcandorar ao poder. Eleição atrás de eleição, dissabor que medra mais dissabor, sucessivamente votando com um pontapé no traseiro dos que amesendam no poder, regressa à mágoa de perceber que o ato destrutivo, que é o seu voto, não teve os fins esperados. Mas não perde a esperança. Se há mérito que se reconhece ao eleitor insurreto, é que ganha sempre quando há ato eleitoral. Não demora a perceber que os frutos colhidos do voto destrutivo se voltam contra ele. Tão depressa se arrepende de ter votado em quem votou, como depressa promete em vindoura eleição voltar a ser eleitor insurreto e desferir contundente pontapé nos glúteos dos que acabaram por frustrar as promessas e também depressa maltrataram o poder.
O pobre do eleitor insurreto sente-se refém de um logro. De um logro perene, como acaba de ser demonstrado. A coabitação alternada no poder faz dele um mero instrumento da alternância, sem que consiga aprender que a insurreição de hoje o conduz à insurreição de amanhã, e assim sucessivamente. O eleitor insurreto, refém de uma bipolaridade irremediável, vai amanhando os maus fígados em verborreia mordaz que quase chega a prometer golpes de Estado, e dos violentos (mas com a violência encomendada alhures), quando intui que as promessas se dissolveram na mesma má igualha dos que alternam no poder. Os momentos supervenientes à entrada em funções do governo que ele apenas escolheu porque não queria o que ajudou a depor, são os poucos momentos de sossego interior e de aplauso. Umas semanas, por via de regra: ao menos aí, antes do governo recém-empossado começar a bolçar incompetência, o eleitor insurreto elogia os neófitos.
Admite-se, em rumor que ronda as ruas da cidade, que o eleitor insurreto não se suporta a si mesmo e que vive amordaçado pelo sangue carbonizado e pleno de acidez que corre nas veias.

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