6.10.15

O batel no rio (ou: uma questão de sobrevivência)

Wand, “Flying Golem”, in https://www.youtube.com/watch?v=SzVEWmi_27U
Os batéis sobem e descem o rio. Por alturas da ilha que corta o rio em duas metades, os batéis devidamente capitaneados têm de fazer pontaria a um dos braços do rio. O leito estreita-se, mal cabe um batel sem roçar nos paredões que fazem as fronteiras das margens.
Vão a abarrotar de gente ávida de ver a majestosa cidade pelo ângulo do rio. O seu olhar obedece aos mandos do guia turístico que debita informação à medida que o batel sulca as águas e se afunda nos segredos da cidade. Os turistas só querem saber do que os olhos mandam enquanto processam a informação cantada pelo guia. Nem sequer lhes passa pelo pensamento que o batel está a ser comandado por um encartado. Nem sequer conferem se o comandante merece confiança. Os sentidos ferventes vão pelos mandamentos da espontaneidade. A confiança não chega a ser assunto. Até acenam aos mirones que apreciam o vagar do batel enquanto rasga o rio.
Os medrosos, os que temem enjoar, os que ensaiam pesadelos com naufrágios pessoais, não passam do cais. Deixam para os embarcadiços um pronunciamento que os embarcadiços não chegam a formular. Os que não arriscam saltar para o batel preferem a segurança dos pés firmes em terra. Não confiam na embarcação. Não confiam num comandante que a capitaneia, porventura não seguramente, mas que eles não sabem quem é, se não está num dia aziago, se é credor de segurança a meio da incerteza de o não conhecerem em pessoa, se naquele dia não está possuído pela loucura.
(E há também os piores dos timoratos, os que chegam a embarcar, mas, mal põem os pés no batel, são tomados por uma hipocrisia irreprimível e se arrependem, saindo da embarcação – nem que tenham de perder o preço do ingresso.)
Os que embarcaram, nem lhes passa pela cabeça a hipótese do infortúnio. Tiraram o dia para tirar o sabor à cidade. Escolheram o ângulo do batel que afasta as águas lodosas do rio à sua passagem. Se chegassem a desconfiar da destreza do timoneiro do batel, se muitos assim o fizessem, talvez não houvesse batéis a navegar nas águas do rio e meio mundo medrasse no desconhecimento da cidade palmilhada desde as águas do rio.
(E talvez esta seja uma metáfora explicativa das eleições de anteontem.)

Sem comentários: