22.10.15

A casa matriz



Patrick Watson & Cinematic Orchestra, “To Build a Home”, in https://www.youtube.com/watch?v=QB0ordd2nOI
De que argamassa é feita a casa mistério, a casa que alojamos nas mãos inteiras? Nem argamassa é precisa e a casa torna-se uma fortaleza à prova das bombas todas. A vontade substitui os predicados das engenharias. A casa matriz não precisa de cálculos para apurar a resistência de materiais, nem carece de alicerces fundeados nas profundezas necessárias para não se afundar nas intermitências telúricas que são a amálgama do tempo. Não precisamos de aformosear a casa; só precisamos de a sentir em sua essência, embebidos na catarse de uma janela entreaberta que filtra a luz que interessa, numa coreografia em uníssono que escorraça os maus ventos. Só precisamos de meter as mãos nas fundações da casa para sabermos que elas ficam inteiriças, coesas, como se fossem um cais fundo que suporta a força toda das águas que vierem dos lados todos. Fazemos a casa como uma árvore centrípeta, imponente. Dela somos o tronco de largo diâmetro, a raiz de todas as coisas que nos são impressão digital. Uma casa-árvore, meneada entre as nuvens mortiças que não escondem o dia soalheiro. Ou então, a casa tributo ao desejo nosso inquilino. As folhas verdejantes, perpetuamente verdejantes, dançando a música do vento que entra pela janela, cuidando de atear o desejo. Na casa que é nossa matriz somos penhores da grandeza que ela ostenta. Sem medo do porvir, sem sonhos outros se não os que trouxemos do sono para o tempo lúcido. Como se tocássemos um piano a quatro mãos, sem partitura diante dos olhos, e a música proviesse em hino sibilino. Temos um refúgio, a casa matricial que nos devolve a pureza dos sentidos. Curadores da sua estética, um esteio maior que fermenta por dentro das veias, no pulsar que ouvimos no chamamento que vem do compassado agitar das asas interiores. Levamos a casa connosco. Onde quer que seja o lugar que queremos ser. O roteiro somos nós. E reivindicamos a árvore centrípeta como legado do que em nós fruímos mercê dos olhos intensos que se põem uns nos outros.

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