10.7.15

Um nómada

1 Giant Leap, “The Way You Deram”, in https://www.youtube.com/watch?v=I2T1zy8ov1I
As feições das paisagens desfilam na memória à medida que os olhos se escondem debaixo das pálpebras. E tantas outras paisagens que haveria por visitar, não fossem as obstruções que a rotina separa dos sonhos.
Um nómada errante. Sem roteiro à partida, apenas um conjunto de apeadeiros escolhidos no momento, no fermento do instinto que medra na desrazão fértil. Sem alojamento esperado, nem meios de locomoção mercados com a antecipação que uma viagem aconselha. O nómada deixa o corpo meter-se pelas avenidas do mundo, devolve-o aos apelos que se decantam no instante em que vêm à superfície. Um nómada que desfaz imperativos a poeira insignificante. Um nómada que desaproveita os cálculos pacientemente arregimentados pelo saber da experiência. Um nómada que desaprova a experiência pretérita. Um nómada que perde o calejamento, património tão comentado como coisa irrepetível e, todavia, para ele uma irrelevância total. Um nómada sem freio, sonhando com cavalos alados que o levem de paragem em partida e de partida em paragem, sonhando com mundos exteriores que sancionam os sentidos desconhecidos – os odores, as cores, os idiomas, as culturas, as gentes, e até os ocasos do dia e as alvoradas que o põem alto, tudo na sua diferença, tudo como alfobre do reaprender a ser.
Sem peias a lugares, o nómada arquiteta os seus sentidos, desalojando os pesares que são um peso morto na iridescência que nele se aninha. Um nómada, nem que seja em sonhos, ou dedilhando as páginas de atlas que oferecem imagens dos lugares desejados, sem ordem nem critério. O nómada adestra a arte de ser nómada sem sair do lugar. Um paradoxal nómada por dentro de um sedentarismo. Areja o pensamento, destruindo as ameias que o cercam e que se fundam no monolitismo dos lugares que são do seu conhecimento. O nómada fecha os olhos. Plana pelos ares, tracejando a rota que o leva até ao cais seguinte onde quer fundear.
Ao acordar, o nómada bebe a plenitude que há por dentro de si. Maior que a estatura que tem. E não mostra a arrogância de quem enverga lustres eruditos na arte de trota-mundear as quatro partidas do mundo.

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