29.7.15

Errata

This Mortal Coil, “Fyt”, in https://www.youtube.com/watch?v=WV6cn1Fo8UM
Não uses óculos escuros. Não ocultam o que vês, já se sabe. Nem que os uses à noite, pretendendo embaciar o que te é exterior, como se houvesse um milagre que limpasse os vestígios que deixaste atrás de ti.
Sobressalta-te, esse legado. Sobressalta porque, olhes para onde olhares, não recolhes pecúlio que te agrade ao orgulho. E, todavia, manténs recusa (que julgas inadiável) em sondar as causas de todas as inquietações. Dividido entre um eu que se projeta para fora de si. E as profundezas do ser, onde tentas asfixiar o que julgas fantasmas, mas que são apenas os aprendizes de ti à espera da primeira oportunidade para virem à superfície. O outro eu, o que devolves de ti ao exterior, vive em negação. Esse eu sabe que, olhes por onde olhares, não encontras semente nenhuma de onde nasça um módico de orgulho. Mas achas que não. Convences-te de uma existência paralela, como se vivesses na verticalidade de ti mesmo. Não percebes que é nessa paralaxe que nidificam as inquietações que te consomem, sem saberes dar conta dessas consumições. Pois insistes em mandar para o olhar dos outros um eu que não é tua identidade.
Ocasionalmente, um sussurro vindo não sabes de onde vocifera contra a tua ilusão. Protesta contra o teu instinto, por ser um instinto suicidário, pois ninguém te faz mal maior do que tu mesmo nessa negação que te faz contumaz. Esse sussurro convida à humildade de uma retratação. Pode ser um exercício doloroso, olhando ao que ficou ditou para trás. A impenitência que se confunde com uma cega teimosia não te dispõe ao desafio servido pelo sussurro. E a voz que sussurra é presença mais assídua, até dos sonhos se faz intrusa.
A tua divisão interior é mortificação de que não dás conta. Insistes no que julgas ser, sem reconhecimento da necessária redenção. Mas não te assustes: a redenção não é de ti para o exterior, és tu que precisas de achar os rudimentos da redenção de ti mesmo. Enquanto teimares em recusar o que te sussurra a voz sem rosto, não saberás quão necessária é a errata vinda de dentro de ti. Até lá, vais sendo apenas uma procrastinação do que és potencial.

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