3.7.15

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Interpol, “Evil” (live in Later on Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=fIMyF_FfyPQ
Havia por aí uns terapeutas, talvez apenas disfarçados de curandeiros, a oferecer milagrosa terapia: apagavam-se do passado aqueles fragmentos que continuavam a adejar como fantasmas temerários. Era como se houvesse um botão que carregássemos e voltasse tudo ao zero. Um conta-quilómetros parcial que apaga o registo pretérito e faz renascer o que se fartou de desnascer.
Seduziam os apóstatas que erravam mortificados pelas cefaleias existenciais. Os terapeutas do mal alheio sabiam escolher a dedo os pacientes (ou, dir-se-ia, vítimas?). Havia gente macambúzia, rostos afogueados por uma tremenda melancolia, miséria a rodos que era nutriente do desespero. Ou gente apenas em depressão, assim diagnosticada por terapeutas de idêntica igualha.
O produto era sedutor. Não se interessavam, estes milagreiros, pela origem dos muitos tormentos em que se consumia a gente entristecida. Ofereciam a redenção fácil. Virtuosa. E com custos controlados, que estes terapeutas não eram filantropos mas não estavam (ou diziam não estar) possuídos pela ganância de outros encartados terapeutas que vivem na abastança. Três sessões de terapia bastavam. Uma hora de cada vez. A cabeça ligada a uma assustadoramente complicada máquina, com elétrodos ligados pelo corpo abaixo a amedrontarem os pacientes que se entregaram à promessa de cura. Os terapeutas sossegavam-nos. Não eram choques elétricos o que vinha a seguir. Era uma corrente elétrica contínua, muito moderada. Só iam sentir algum formigueiro e cair no sono.
Ao fim de três sessões, os pacientes saíam do consultório com uma leveza de que já não tinham memória. Os rostos expressivamente sorridentes. Sem arquearem o corpo ao andar, como dantes, em sinal de capitulação perante as contrariedades. Sem as cefaleias existenciais. Nem os súbitos acessos suicidas, quando sentiam que todos os males do mundo se tinham abatido sobre uma só pessoa. Não se lembravam por que andavam aprisionados numa doentia tristeza. Aliás, nem se lembravam que essa era a sua patologia. A memória fez reinício. Como se tivesse renascido. Desapareceram todas as sombras e fantasmas e sobressaltos.
E desapareceu toda a memória, também. Até as boas recordações, o substrato bom que há um cada um. Eram entes vegetativos, deslocados de tudo. Não morreram do mal. Ninguém garantia que não viessem a morrer da cura.  

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