15.6.15

Pontas soltas

Nitin Sawhney, “Ek Jaan”, in https://www.youtube.com/watch?v=PYkHUWInRGQ
Não são as areias soltas que destemperam. Não são as nuvens esparsas a embaciar o sol. Não são os gritos estridentes dos infantes na piscina. Não são os arrivistas. Não são os olhos salgados que, por salgados estarem, deixam de ver.
Aliás, salgados os olhos ganham uma lucidez ímpar. Tudo o que vem de frente ganha uma nitidez inigualável. Os véus descobrem-se. A claridade sonda os dedos e os olhos perfumam-se como nunca o foram. Os dantes não interessam. Os ponteiros dos relógios são ausências certas, na própria ausência dos relógios. Domamos o tempo. Fazemos dele o que queremos. Fazemos o queremos. Sem peias, sem mandamentos. No tempero do mar, recolhemos um bálsamo para o tempo vindouro. É como se renascêssemos. Como se fôssemos ao fundo de nós encontrar a pureza, e depois nos perdermos pelas avenidas que construímos no recolhimento das ameias que erguemos.
Há um lá fora que só interessa quando mandemos que assim seja. Fora disso, é a vastidão sob os nossos pés, os armários em que repousamos o pensamento, um refrigério necessário que avaliza a inércia. E, todavia, talvez a tanta preguiça seja lenitivo para sermos imperadores. Do império que nos pertence, o império que tem préstimo. Sabemos que o saber de sermos um só levita neste tempo madraço. Sabemos o que temos de saber, o que nos importa saber. É a ciência maior: uma bússola interior que percorre as veias e aligeira o peso da existência. É por isso que nos sentimos com a leveza de uma andorinha. E voamos para os lugares que queremos que sejam nossa tutoria, quaisquer que sejam, no tempo que nos aprouver. É uma doce hibernação. Um ensimesmar. Talvez egoísta. Mas não importa. Pois é um egoísmo que não diz respeito a mais ninguém.
Nas arcadas da noite, quando os lençóis se aquecem com a quimera dos corpos, somos maestros da orquestra maior. Da que somos seus exclusivos intérpretes. De fora deste tempo, todas as demais coisas parecem irrisórias.

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