2.6.15

Não me vais levar a alma

The Wraygunn (com Adolfo Luxúria Canibal), “Não vou perder a alma”, in https://www.youtube.com/watch?v=TpSFVX9j9N0
Ah, as seduções avulsas que embaciam a lucidez. Os mafarricos vários escondidos sob capas estultas que, todavia, soam a encantadoras indumentárias. As viciosas dependências (assim de propósito, como redundância) que atam a vontade. As marés tentadoras, mesmo quando o corpo sabe que elas são um veneno que se mete dentro de si. Os pronunciamentos solenes que atiram o pensamento para a ilusão. O correspondente palco paralelo que não é se não um simulacro do palco que não dissolve a vontade. Os arrependimentos de tudo isto, quando a lucidez retoma o lugar. E, logo a seguir, mais lenha atirada para a fogueira da desrazão: e se tudo o que julgamos ser o palco a que atribuímos o império da vontade não é o sítio onde habita a paralela dimensão de tudo?
O pensamento mergulha na imensa confusão. Não é capaz de tirar duas conclusões que se achem dentro da logicidade. O próprio conceito de lógica perde sentido. O sentido perde sentido. As palavras ficam sitiadas de uma vacuidade terrível. Deixa de haver etimologia do pensamento. No irredentismo das tentações que se simulam dentro de um ardil, o pensamento derrete-se no seu sentido ilógico.
As janelas tremem com o vento furioso. Pode ser um dos mafarricos que se insinuou angélica figura a cobrar o preço dos prazeres alquebrados. Quer levar a alma para perdoar a dívida. Ou, em vendo bem as coisas, a fatura é o penhor da alma. Os falsos querubins das volúpias fáceis tiram a máscara, deixam à mostra ao que vieram. Afinal, talvez sejam embaixadores de uma qualquer castradora divindade, zelosa dos comportamentos irrepreensíveis, temente por nós dos descaminhos que nos atiram para o abismo da imoralidade.
Não: não caímos no ardil do hedonismo. Não somos vítimas fáceis dos ardis dos falsos querubins que dissimulam a demoníaca face que nos quer empenhar a alma. Somos reféns das divindades todas de quem se diz quererem que sejamos ovelhas ordeiras. Se não forem os diabos a querer levar a alma, são os deuses. O desafio é hercúleo. É difícil não capitular. É difícil que a alma não se empenhe, ora aos mafarricos disfarçados, ora às cândidas divindades. Talvez o segredo esteja na semântica. Na revisão dos conceitos. Do sentido das palavras. No império da liberdade e da vontade que reside dentro de cada um. Só assim a alma está livre de atos hipotecários.

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