25.5.15

O infinito, duas cartolas e uma pata de presunto

Os Ressentidos, “Galicia Canibal (Fai un sol de carallo)”, in https://www.youtube.com/watch?v=t4SKE2cLuFs
O monte oxigena. É um lugar comum que, contudo, não deixa de remexer com os fundos das convicções. É que no monte, no sítio onde não há pessoas, e apenas fauna e flora com quem partilhar a presença, as viagens interiores ficam nítidas, como se sobre elas se deitassem luzes fluorescentes.
Mas o monte pode ter dias inesperadamente povoados. Nem assim deixa de ser laudatório. Comunga-se folia, foge-se dos fantasmas que são  apoquentação nos lugarejos habitados, esquecem-se as angústias do trabalho e foge-se para o monte. Para onde uma multidão vai em peregrinação e muito álcool é bebido para libertar os espíritos que precisam de asas soltas. O álcool liberta os espíritos para a criatividade.
Dois cartolas dandy sobem o monte vestindo robe. Fazem a festa. E emprestam farra aos demais. Um castiço aparece com uma perna de presunto a tiracolo. Estaciona no terreiro, tira a faca própria para seccionar finas tiras do bácoro fumado e doa-as a quem passa. O irmão despeja-lhe sobre a cabeça dois copos de cerveja, um atrás do outro. E ele ri-se, com o sorriso desembargado de quem está com freio solto. Uns genuínos dançam desajeitadamente a música que soa da gigantesca coluna de som dos dois cartolas artilhados com robe e bonés de camionista. Os barris de cerveja extinguem-se. É a vez do vinho. Não se pode virar a cara à folia e o calor que se pôs deixa as goelas secas, exigindo mais álcool. Ajuda o tempo a passar.
Às vezes, o motivo da reunião de uma multidão no ermo quase no cimo da serra (apreciar automóveis a sulcarem vertiginosamente as estradas que cortam a serra) perde importância. As gentes convivem, falam uns com os outros como se fossem conhecidos de longa data. O castiço da perna de presunto, depois de a dissecar até ao osso, usa os restos mortais ao ouvido, fazendo as vezes de um telemóvel. E a gente restante algazarra.
No fim  da tarde, o monte recupera a aridez. Sobram os vestígios da gente que se levantou de madrugada e aguentou um vento glacial quando a manhã tinha o seu início. A seguir, o monte voltará a ser aquele lugar ermo, quase despido de vegetação, com os imponentes pedregulhos dominando a paisagem. Um naco de infinito sob os pés e diante dos olhos. A que apetece regressar, já despido de gente em folia,  para uma demanda purificadora.

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