1.5.15

Do preconceito absurdo

Big Audio Dinamite, “V. Thirteen”, in https://www.youtube.com/watch?v=sjqSRQoxnhs
Para começar: quem não tem a sua dose de preconceitos? Talvez por o reconhecer, diga-se que o preconceito não quadra com um chão de racionalidade. Por isso, diga-se também que os preconceitos medram no absurdo. Uns mais que outros, mas nenhum preconceito se consegue desprender da báscula do absurdo.
Anteontem, uma notícia que arrisca vencer o campeonato do absurdo no ano corrente: o presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação disse em público (sem, supõe-se, estar ébrio) que os homossexuais não podem ser dadores de sangue de cada vez que copularem com – obviamente, ou não fossem homossexuais – outros homens. Porque o senhor considera que o sexo entre dois homens é um “fator de risco”. Julgando salvar o rosto do preconceito que levita sobre a sua pessoa, a cavalgadura, de seu nome Helder Trindade, elaborou sobre o assunto: o instituto que dirige não faz discriminações em função da orientação sexual, apenas discrimina as práticas sexuais.
A certa altura, desfez-se a incredulidade e a análise descaiu para o risível. Comecei a supor cenários diversos que tiram o tapete à exibição de sapiência científica que mais não é que um ostensivo preconceito e uma manifestação de ignorância do senhor Trindade. Primeira objeção: quando alguém se oferece para dar sangue, o enfermeiro de serviço pergunta se é homossexual? (Confesso a pessoal ignorância sobre o assunto, pois a fobia a tirar sangue nunca me deixou se dador do mesmo.) Seja como for, é abusivo sequer imaginar que o senhor enfermeiro possa perguntar sobre a orientação sexual do candidato a dador. Se a pergunta me fosse feita, heterossexual sem hesitações, responderia ao senhor enfermeiro: “meta-se na sua vida.
Segunda objeção: é risível que alguém com responsabilidades públicas confirme que não tem preconceitos contra a orientação sexual dos homossexuais, apenas contra práticas que impliquem o contacto sexual entre dois homens. Portanto: um homossexual que queira cometer o generoso ato de legar uma pequena parte do seu sangue está colocado perante um dilema: ou mente, dizendo-se heterossexual, porventura violentando a sua consciência para não ser apanhado em flagrante no “crime” da homossexualidade; ou pratica a castidade. O senhor Trindade gostaria que os homossexuais estivessem submetidos a uma auto-castração, pois só lhes seriam permitidas práticas sexuais que não envolvam penetração. Se isto não é preconceito e discriminação, o que é preconceito e discriminação?
Terceiro: o senhor Trindade, talvez por pertencer à Opus Dei, ou por ter (deito-me a adivinhar outra vez) uma vida sexual maçadora, desconhece (ou faz de conta) que alguns heterossexuais têm o mesmo “comportamento de risco” que ele decidiu vetar nos homossexuais que queiram dar sangue. Ou seja, o senhor Trindade será menino para assinar uma instrução de serviço autorizando os enfermeiros que fazem a recolha de sangue a perguntarem aos potenciais dadores se não cometeram o sumo pecado da sodomia.
No meio destes ventos de loucura, apetece-me dizer que não há paciência para os apóstolos da moral e dos bons costumes. 

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