6.4.15

Black & Decker

In https://formaplural.files.wordpress.com/2011/12/toolbox.jpg
Sobre artes manuais, bricolage e falta de destreza. Divergências com parafusos, martelos, chaves de fendas e demais artefactos das artes manuais. Irremediável falta de jeito com as mãos (a menos que). Nem sequer as ferramentas inventadas para facilitar os artesãos. Perigosas armas nas mãos erradas, nas mãos que as não sabem manejar sem arriscar feridas e contusões. Aparafusar uma cadeira de montar é um desafio à paciência (e à lógica). As instruções profusamente desenhadas são um almanaque de contradições. Se calhar, não são apenas as mãos a sofrerem de falta de destreza.
Manda-se fazer aos outros, os que nasceram com pergaminhos. Trabalhos até singelos, que um adolescente capacitado faria sem tergiversar. Há quem diga que não é inépcia, que é preguiça. Benevolente, a análise. Talvez sejam as duas ao mesmo tempo. Faltando saber se a que mais se distingue é a preguiça ou a incompetência. Também não interessa. As obras são um arte que as mãos destreinadas não dominam. Um arte, por assim dizer, que é um corpo estranho.
Noto, às vezes, que olham com estranheza, outras vezes com desdém, quando, nada mortificado, admito que não consigo espetar um prego na parede, aparafusar um candeeiro no teto, pegar na Black & Decker e domá-la. Também admito: nunca foi notório o esforço em melhorar capacidades na função perante a visível inabilidade nas parcas tentativas de lidar com a parafernália de ferramentas. Desisti cedo. Hoje digo: talvez tenha sido oportunista. Pois esta não é arte que reúna as preferências pessoais. Deixo-a aos outros. Aos profissionais e aos amadores que têm dotes de profissionais.
Deixo-a, contudo, com alguma inveja. É como olhar para uma tábua de queijos. A estética convoca os sentidos, sobretudo o olhar, que não resiste à paleta admirável de uma tábula de queijos. O mais importante dos sentidos (paladar) não se ativa, travando a consubstanciação material do quadro magnífico diante dos olhos – ou de como existe uma fratura entre o olhar e o paladar. Pois os queijos esbarram na adversidade do paladar. É mais ou menos por esta lógica que tenho inveja (da saudável) dos mestres da bricolage. (Ou quero-me convencer que tenho inveja, só para apaziguar a dissidência com Black & Decker & Cia. e virar a página para o que interessa.)

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