12.2.15

Os heróis não são de carne e osso

Flaming Lips, “Heroes”, in https://www.youtube.com/watch?v=gPnxp1H9x1k
Sabes? Os heróis só existem na banda desenhada e nos filmes de aventura.
Fora disso, da gente inventada com poderes sobre-humanos, ou da gente que se transfigura e corporiza genes que não são de gente, temos apenas gente. Simples gente que é gente com uma aura de simplicidade. Com genes aziagos, com dias gloriosos e dias tacanhos. Ora admirável, ora irascível, ora apenas indiferente. Gente com fragilidades, o que destoa da gesta de heróis que enche as páginas das bandas desenhadas. Gente feita de carne e osso. Os heróis não são dessa linhagem. Os heróis conseguem proezas que não são acessíveis à gente meã.
Não me interpretes mal: a condição meã não menospreza a gente que sabe que não é heroína de coisa nenhuma; apenas retrata o que todos somos. Que em nós fermenta a imensidão das coisas de que nos arrependemos, as culpas que nos mortificam, os atos que não deviam ter sido cometidos e os outros que deviam ter sido praticados e embaciam inúteis arrependimentos, as falas grotescas, as aleivosias instintivas, as lágrimas derramadas que não curaram males nenhuns, as feridas que teimam em não cicatrizar, as cicatrizes que não deixam esquecer um determinado outrora. Somos heróis – mas da condição meã – ao termos a coragem de não fugir do que somos nem do que alhures fizemos.
Somos tudo isso, e por isso, gente meã. Consciente das fragilidades, gente que soçobra nas suas imperfeições, gente que não consegue arrematar do horizonte as inseguranças que cinzelam mais impurezas. Mas gente. E – sabes? – as impurezas chegam para nos devolverem à terra: como gente-gente, feita de carne e osso, não podemos ser deuses com os pés na terra, ou deuses que esvoaçam sobre os demais a ensinar lições sobre o que seja, nem gente ardilosa que se faz passar por deus com pés de barro.
Temos de saber encarar o tempo com os olhos corajosos de quem não se amedronta com o que tiver de vir – do passado, do presente e do porvir. Pois somos um mar de incapacidades, uma lauta refeição de fragilidades. E que essa é a nossa (gente-gente) maior ambição. Admitir tudo o que julgamos impuro e concluir que é dessa estirpe que é feita a nossa grandeza.
Os heróis, deixemo-los medrar nas páginas das bandas desenhadas.

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