6.11.14

O homem que dava ideias

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Absorvido pelas suas, o homem nem dava conta das vezes que lhe pediam ideias emprestadas. “Dá-me uma ideia” – para isto, para aquilo, para aqueloutro, como se fosse um compêndio inesgotável de criatividade. Às tantas, era um aqueduto por onde fluía o caudal das ideias abundantes. Em escasseando nos outros, não se importava de usar desta generosidade.
Na exegese de si, admirava a versatilidade criadora que palpitava, incessante. Sabia desdobrar fios condutores sobre assuntos variados. Com a assertividade com que os peritos elucubram sobre conhecimentos de que são primus inter pares. O chapéu que fazia gala de trazer na cabeça era uma proteção contra o efeito nefasto dos elementos. Podia ser que a chuva e os ventos e o sol tórrido amputassem a capacidade criadora – daí o chapéu. Dizia-se autodidata de muitos conhecimentos. Se fosse a um concurso que exigia conhecimentos gerais de tudo e mais alguma coisa, tirava carta de milionário (pela certa). Chegaram, uns mais chegados, a promover a ida a um tal concurso. Recusou a pés juntos e bem vincados no chão: tinha horror à exposição pública e temia o efeito dos holofotes. Sabia que ia capitular aos nervos que dele tomassem conta. E, mais a mais, desprendido dos valores materiais como era, não via grande préstimo em concursar.
Preferia ser um missionário das ideias de que os outros careciam. Só ele conseguia sentir o conforto interior quando lhe batiam à porta, ou chegavam pelo telefone, em demanda de uns subsídios intelectuais que viessem converter em respostas as interrogações que mais pareciam encruzilhadas. Às vezes, preferia sacrificar as ideias que esboçava no imenso nada em que elas medravam (a bem dizer, nunca passara uma ideia para letra de forma); saciava-se com os penhorados agradecimentos da coorte que oportunisticamente o pajeava – sem que desse conta (não dos pajens em demorada genuflexão; do oportunismo da função).
Tinha-se como a pessoa maior do mundo, tamanha a generosidade das ideias que dava aos outros. Talvez de tamanho maior ainda fosse o espelho em casa, onde se contemplava sucessivamente.

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