3.10.14

Quarentena

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Vicejava o musgo ardiloso, aquele que freia os movimentos e deixa o corpo exausto, incapaz de reagir. Parecia doença – duvidava no íntimo do ser. Talvez a perplexidade viesse fermentada na lava pujante que sempre fora uma existência sem grande cadastro de maleitas. Mas tinha de dar a mão à palmatória: não era normal a míngua de forças, não sabia o que era querer dar andamento ao corpo e o corpo deitar-se na letargia.
O médico foi assertivo no diagnóstico: “uma maleita exótica (e disse o nome técnico, um latinório), daquelas que se apanha em viagens à África subsaariana.” “Mas nunca tinha andado por essas paragens”, retorquiu, à medida que a ansiedade crescia no rubor do rosto que dividia a palidez que o consumia. Ato contínuo, o médico continuou a ser perentório: “então foi contágio.” “E como se podia dar o contágio?”, perguntou, assoberbado pela placidez do médico, enquanto sentia o chão fugir debaixo dos pés. A informação chegou sem demora: “estar num sítio e partilhar o ar que se respira com alguém que esteja infetado.
Foi para casa a rebobinar as semanas anteriores (o médico dissera que a incubação pode ir até quatro semanas). Queria lembrar-se do sítio onde esteve a partilhar a atmosfera apertada com alguém que pudesse estar infetado com a doença. Era uma tarefa inglória. Ainda perguntou ao médico, em deslize racista (de pergaminhos tão intoleráveis nos dias que correm) se o contágio era feito por negros. O médico deixou-o sem resposta, ao mesmo tempo que o entreolhava com reprovação. Ele arrependeu-se no instante seguinte: não se lembrava de tamanho deslize racista. Só podia ser a desorientação da doença.
O pior foram as semanas depois. Em quarentena total. Nem podia ser em casa, que os demais corriam o risco de contágio. Ficou confinado a um quarto asséptico, numa ala do hospital que parecia um lugar fantasma, quase sem vivalma a não ser os enfermeiros que vinham dar a toma de medicamentos, usando uma fatiota quase parecendo astronautas. Julgou que ia morrer. Não da doença. Do tédio da quarentena. As semanas de encerramento pareciam um tempo sem fim. Antes tivesse hibernado. Antes tivessem dado uma injeção de sono duradouro, para não ter de suportar a privação da quarentena.

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