1.10.14

As estátuas não são eternas

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Vamos à condição da perenidade. Discute-se o que é perene. Diz-se que são as estátuas. Deixam personalidades firmadas num pedestal, noite e dia, o tempo inteiro, recebendo as asperezas do tempo. Os pés enraizados no pedestal também fazem da estátua uma metáfora: pois há um pedestal, que é o arejo que vem ao tempo quando uma personalidade recebe distinção de estátua. Os pedestais são abrigos dos imortais.
Desenganados estão os que ajuramentam a perenidade das estátuas. Pois o tempo consome-as. Há estátuas que imortalizam alguém e, todavia, a memória sobrante desse alguém é um nada junto das pessoas que transitam pela estátua. Há estátuas que gravitam na indiferença dos transeuntes – e são os turistas, forasteiros nessa condição, que deitam o olhar a essas estátuas, chegando-se ao paradoxo de os turistas serem mais nativos que os próprios nativos. E há estátuas que são depostas pelo curso da história, quando as personalidades retratadas caem na indigência do tempo e os novos ventos alimentam vontades que não admitem a eternidade daquela estátua. É que o tempo tem diferentes camadas e, com elas, vêm nobilitações e desgraças ditadas por quem comanda o império das vontades.
Pode uma estátua ser deposta? Julgam, alguns, que a violação da memória é um atentado contra as gerações viventes e uma aleivosia que as gerações futuras não merecem receber de legado. Julgam, outros, que o património das estátuas precisa de renovação. Se não, um dia destes já não há rotundas ou esquinas livres para receber bustos de eminências pardas e menos pardas. Não são precisas lentes aguçadas para perceber o andamento dos tempos. E que a memória se adelgaça à medida que o tempo é cada vez mais pretérito. Como acontece com os vivos, as estátuas também têm um tempo próprio. Deixar algumas de lado não é revisionismo do tempo que já foi. É uma caução da memória mais próxima, levantando a cancela a personalidades mais recentes que são credoras de efémera eternidade enquanto for seu tempo de serem estátuas.
Nem as estátuas, mesmo sendo forjadas a ferro pétreo, são eternas.

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