12.9.14

Contamos todos

In https://urbanfragment.files.wordpress.com/2012/10/election-crowd-wellington-new-zealand-1931-photographed-by-william-hall-raine.jpg
Ninguém é desperdício. A ninguém é reservado o papel da inutilidade. Aos que logram existir, por mais que pareça que não, há um lugar no mundo. Um lugar qualquer. Não, não vou dizer que é destino divino que se cumpre. A existência há de transcender as leis divinas (para o caso de elas nem serem se não uma ilusão), pois é de uma simplicidade maior.
Não aceitemos que a sobranceria dos que se julgam predestinados, aqueles a quem teria sido oferecida uma candeia que ilumina mais que tudo o resto, faça julgamentos sumários que desestimam vidas alheias. Antes um suposto inútil que mil prescientes desta igualha. Ao menos, o suposto inútil é precatado, humilde, pouco dado a medir a existência dos outros. Confiável na sua lhaneza. Sabe que a sua vida é um vasto território com muitas demandas por preencher. E como acontece o tempo ser um bem escasso, o suposto inútil dá uma lição de palmatória aos predestinados que por aí adejam: os outros pouco interessam – e só interessam na medida em que algum deles venha em articulação com quem assim pensa.
Os supinos iluminados, que se julgam lídimos letrados, donos de uma inteligência deslumbrante, são canhestros na coroa em que se autoinvestiram. Pois contamos todos neste mundo. Em diversos papéis, nas mais múltiplas circunstâncias que possa haver, em todos os tempos em que há matéria viva a ser e a pensar. Todos contamos. Desde os que são acantonados, pelos eruditos crânios, no lugar do desperdício. Até aos arrogantes maestros do conhecimento que se fazem donos do lugar de julgadores da valência alheia. Passando pela imensa maioria dos outros, a massa anónima que não merece a desatenção e o ultraje dos da inteligência suprema, nem consegue (ou não quer) pertencer ao escol que vomita esta intolerância que é pequenez mental.
Contamos todos. Cada alma desaproveitada é menos um lugar preenchido. Uma peça, por mais pequena que seja, que sempre faz falta. Pois não pode haver ninguém neste mundo, nem mesmo os que vegetam imersos numa indigente solidão, cuja ausência não seja notada.

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