7.8.14

O último a sair fecha a luz


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Dizem que é o fim do tempo. Dizem que ninguém pode confiar em ninguém. Que todos assaltam a sua própria dignidade, na vertigem da autofagia. O sol deixou de ser testemunha da alvorada. Parece noite perpétua. Com tempestades terríficas, os animais todos imersos no pânico. No pino da desordem, os tumultos tomam conta das cidades e de todos os lugares habitáveis. O lixo amontoa-se por todo o lado. Os cães vadios competem com gente danada pelos restos utilizáveis que sobram do lixo. No cais, só há navios fantasmas. Os marinheiros fugiram mal souberam das tempestades assassinas que descompuseram os mares. Já ninguém governa. A polícia ausentou-se. As prisões são lugares fantasmas. Os foragidos partiram em demanda de assaltos, outros em demanda de vingança atrás dos magistrados que deram ordem de prisão. Já nem as televisões emitem, nem os jornais saem à rua. No meio da saque e da desordem, os fautores souberam que o poder cair-lhes-ia nas mãos se silenciassem a informação. As pessoas perderam o norte. O boato foi o sucedâneo imperfeito das notícias ausentes. A desinformação campeava. Não tardou e já ninguém confiava em ninguém. Foi como se os relógios perdessem fulgor e, contaminados pelo veneno do destempo, decaíssem até deixarem de falar as horas. O tempo passou a ser uma medida paradoxal: parecia que se arrastava, sem fim e, ao mesmo tempo, corria célere. O amanhã era sempre uma incógnita excruciante. Ninguém podia dizer que conseguia vingar no torpor do dia presente. No estertor da incerteza larvar, cada vez mais gente passou a dirigir as preces para o termo das mágoas. Não valia a pena ser ator, involuntariamente ator, de um teatro atroz para onde foram atirados. O hoje é que passou a ser a incógnita excruciante. E todos diziam, à boca pequena, sempre para a boca do lado, que ao último competia a tarefa de fechar a luz. Só então seria possível o sossego que tinha sido obliterado por gente sem escrúpulos.

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