23.7.14

Os jograis dos cataclismos


In http://www.tabacaria.com.pt/lusiadas/restelo.jpg
Um taxista barrigudo que é sabedoria transversal. Um empreiteiro que ainda usa um Mercedes atávico. Um aspirante a catedrático que mede tudo pela bitola da história, prolixo em adjetivos. Outro, informático, que baba lugares-comuns ao abrigo da imensa sapiência que só ele consegue lobrigar (no que o espelho da casa de banho deixa pressentir), enquanto larga chistes que só a ele provocam gargalhada. Uma varina ladina, com esparsa pelagem facial a preceito, debitando pregão com pronúncia intensa. Um ativista reflexivo que acorda todas as tardes com o vício da cidadania ativa. O carteiro que lê muitas revistas cor-de-rosa e sonha acordado. O meteorologista que sindicaliza os colegas entre duas reuniões do partido. O sindicalista que se farta de trabalhar a pouco fazer. Um aluno calaceiro, cuja mestria é o ardil. Um jornalista peçonhento, que embirra com o bom feitio dos que o têm (à falta que o bom feitio nele faz). Um arquiteto com um pé na autarquia e outro no gabinete de projetos, sem que alguém possa levantar dedo a perguntar pela ética. O sacerdote que tem uma coleção de revistas de luxúria (provando que os curas também são homens). O louco que fugiu do manicómio e erra pelas ruas da cidade e ninguém dá conta da sua demência. O personal trainer, titular de outra demência (não diagnosticada). O ladrão profissional, atrevido e metódico, preguiçoso e sociopata. E o ladrão por causa do vício das drogas, desastrado. A meretriz grosseira, coxa grossa e flácida. O empregado do balcão que ainda usa mangas de alpaca e não toma banho assíduo. O funcionário da repartição de finanças que passeia a arrogância de quem subtrai réditos ao cidadão e disso faz ostentação de poder. O professor que vocifera enquanto os colegas tentam fazer um exame. O matarruano das estradas, cavalgando o enorme camião enquanto palita os dentes. O jeitoso convencido que é um sedutor, mal sabendo que ao virar das costas as donzelas suspiram de alívio. O erudito das bainhas dos livros. O bêbado ao cabo da noite, cambaleando palavras ininteligíveis. O jardineiro boçal, almoçando com as mãos ainda encardidas. E o velho, arrastando a sua senilidade.  

Sem comentários: