22.7.14

Música de desintervenção

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A tentação das dicotomias. Pueris, como nos filmes de cowboys, ou nas sagas que doutrinam que os americanos são sempre os bons e os inimigos de ocasião, por inimigos serem, arrostam com a indignidade de serem os maus da fita.
Talvez a música de intervenção esteja a precisar de ser desintervencionada. Talvez nem tudo seja tão simples como é retratado pelos cantores que usam a música para doutrinar as massas. Não sejam estas palavras entendidas sugestão de silêncio; talvez assim conviesse, para os cultores do género se colocarem em posição tão por eles comprazida, que é a posição de vítima. Não é disso que se trata. Que os megafones e os comícios e as palavras de ordem continuem bem altos, audíveis por onde queiram ser ouvidos. Mas não se faça deles imperativos categóricos. Não se enquiste na música de intervenção um mundo a preto e branco, o eles e nós (os oprimidos), porque eles, os da banca e do grande capital, tudo o que querem é deixar-nos num permanente estado vegetativo no limiar da pobreza. Pois, em assim estando, ficamos vulneráveis. Dependentes da boa vontade dos endinheirados, que nos pagam soldos de miséria e clamam pela nossa gratidão por não estarmos imersos num lodaçal de maior miséria.
Desconfiemos da generosidade cantada nas músicas de intervenção. Pois a história também serve para tirar lições, e da história resgatamos tantos atropelos selados pelo punho de próceres admirados pelos intérpretes da música de intervenção. Desconfiemos quando se encantam pela igualdade: pois o contexto e as circunstâncias da história trataram de mostrar o que acontece quando, sob o jugo da igualdade, tantos ultrajes à dignidade humana são praticados. A sanha persecutória aos ricos não será diferente da ganância que percorre as entranhas de alguns ricos que praticam o capitalismo suicidário. Por conveniência, os pastores da música de intervenção tomam a árvore pela floresta. Para fazer jus à puerilidade em que estão embebidos. Antes se dedicassem à música para infantes (ou não, para não se tentarem pela doutrinação dos petizes, por certo empreitada mais ágil dada a tenta idade da audiência).
A música de intervenção precisa de ser descosida por dentro. Desintervencionada, portanto. Com padrões estéticos que não deslustrem, se não logo dirão os habituais zeladores que açambarcam as bissetrizes da estética que o género da música contra-intervenção é destituído de faculdades estéticas. Nessa altura, para além da batalha de estéticas do agrado dos que se enamoram pela subjetividade das coisas, podiam os cultores da música contra-intervenção reclamar o seu lugar. Metendo as mãos na mensagem, um farol que quer desmascarar o engodo da música de intervenção. Podiam denunciar o oportunismo da causa: pois é mais confortável ser porta-voz do que julgam uma imensa maioria (os oprimidos pelo nefando capital). Todavia, a lógica dos números às vezes não combina com a simplicidade aritmética. Caso contrário, a extrema-esquerda, por onde habitam os intérpretes da música de intervenção, tinha o monopólio inter-temporal da governação.
Não haveria ricos. E toda a gente seria feliz. É pena que o povo seja tão bronco.

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