3.6.14

Subsídios para uma teoria da autofagia

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(Onde se ficciona com as eleições primárias abertas a militantes e “simpatizantes” socialistas)
O Tozé, que é um iluminado, um génio da política, não queria abandonar o poder. Não o queria ceder a ninguém, nem mesmo ao Costa que é levado ao colo pela imprensa. O Tozé tirou um coelho da cartola (não o que ele queria que o presidente da república demitisse depois das eleições europeias): vamos a votos ver quem recolhe mais simpatia entre o povo em geral. Só para mostrar que é um político que os tem no sítio, contrariando a imagem imberbe que os especialistas das emoções faciais se apressaram a desenhar em devido tempo. De caminho, o Tozé sacudiu a poeira da tralha que é o partido de que é líder e impingiu ao público a patranha de uma imagem modernaça: o partido ia-se abrir ao povo como nunca nenhum ousou fazê-lo. No seu calculismo, terá acreditado que a carta que tirou da manga lhe trazia dois troféus: a confirmação da liderança e a sinecura de primeiro-ministro, por natural embevecimento do povaréu diante do modernaço gesto do Tozé.
Tozé não contou com a natureza pérfida do Homem. Onde estudou, ninguém lhe ensinou os cartapácios de Maquiavel (ou ele não os leu). Desaprendeu os golpes baixos que se aprendem nas juventudes partidárias, onde fez distinto tirocínio. No dia do plebiscito, exultou com a presença numerosa nas mesas de voto, que foi em maior número do que nas eleições dos últimos três anos. Esfregou as mãos de contentamento, fazendo contas a uma vitória em dois atos, em puro knock out do ingrato opositor.
Mas o Tozé esqueceu-se que a natureza humana é a que é. Se não fosse ingénuo, umas contas por alto chegavam para concluir que tanta gente a participar nas eleições diretas não era o somatório dos militantes e dos “simpatizantes” da agremiação. Tozé não sabia das movimentações clandestinas. Militantes e apoiantes dos outros partidos também souberam mostrar a sua generosidade. Houve gente com genético ódio ao PS, e outros, muitos outros, tementes do regresso dos socialistas ao poder, que se mobilizaram. Não temiam o Costa, de quem sabiam não ser grande espingarda. Estavam seguros de que manter o Tozé à frente da agremiação socialista era a garantia de que ele e os companheiros não iam para o governo fazer ainda pior do que estes que por lá andam.
Ao princípio da madrugada veio a sentença dos eleitores. Os militantes, os “simpatizantes” e a maioria de todos os outros que quiseram, com o seu voto, boicotar os socialistas, deram uma vitória retumbante ao Tozé. O que o Tozé não sabia – ao aparecer, guloso, a comentar a vitória no pleito – é que estas tinham sido umas eleições pré-primárias para o futuro governo. Ele ganhara hoje para perder uns meses mais tarde, quando viessem as eleições a sério. Ingénuo e apedeuta, o Tozé não percebeu que foi o fautor da toca do lobo onde foi atraiçoado. Pela avidez de quem se segurou ao poder como se não houvesse dia seguinte.

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