13.6.14

O povo gosta de justiceiros

In http://ieadjo.com/sites/default/files/styles/node/public/images/articles/blog33.jpg?itok=e0vPE5LD
Ao almoço, enquanto espero pelo repasto, entra pelos olhos um daquelas programas de entretenimento que são o anticlímax do aperitivo para o prândio. Já não chegasse o género, e não podendo mudar de lugar pois não conseguia dar as costas à televisão, piora o cenário com a entrada em cena de um “especialista em crime”, um reciclado do jornalismo que dispara a eito sobre os criminosos que, na sua douta opinião, deviam merecer o pior varapau da justiça.
O som da televisão está – ó azar – audível. Acompanho o raciocínio do justiceiro. O povo que faz as vezes de audiência, talvez uma amostra da populaça, aplaude de cada vez que o justiceiro se sobressalta e remata a frase com uma assertiva certeza acerca da falaz justiça dos tribunais. Acena com a cabeça quando o justiceiro verbera a fraca justiça. Pelo meio, o justiceiro escorrega para insinuações que deixam à mostra rudimentos de uma teoria da conspiração: ele são os lobbies obscuros que mantêm a justiça sequestrada, talvez porque os juízes não são imparciais e até militam, em segredo, nessas câmaras escuras de obscuros interesses. O género trauliteiro tem seguidores e faz escola. Um dos expoentes foi há dias eleito para o Parlamento Europeu. O populismo barato vinga no seu rasteiro esplendor.
Continuo a seguir o raciocínio do justiceiro e vou tecendo pontes com a retórica justiceira do novato eurodeputado. O raciocínio é ardiloso. A lógica argumentativa é canhestra, mas insidiosamente canhestra para que o povo, apesar dos parcos recursos hermenêuticos, não sentir que as poses sedutoras não passam de cavalgaduras manipuladoras. O género do justiceiro descontente com o estado a que chegamos, dos que puxam lustro aos “valores” que já não há (uma tremenda perda para a civilização, agora destronada pelo reino da incivilidade), é um apelo às emoções. De lágrima fácil quando um facínora se transforma em hábil vendedor de castelos no ar, o povoléu nem dá conta de que como é enganado (ou dá conta, mas gosta de ser ludibriado). E subscreve: oxalá os mandantes fossem da têmpera dos justiceiros e os males quase todos estavam a caminho da extinção.
Um dia destes, o Marinho é presidente e o Hernâni chega a ministro. Não há melhor retrato da democracia como representação da vontade popular: mandantes à imagem do povo.

Sem comentários: