19.6.14

Afinal, a ministra das finanças não é uma cabra

In https://www.youtube.com/watch?v=v535cv-n0sY
O maldito triângulo das Bermudas que nos atira areia para os olhos: políticos, jornalistas (a soldo, ou sem perceberem que estão nessa condição) e cidadãos eleitores. A intermediar a relação, a ênfase na imagem. Tudo é imagem. Tudo se reconduz à imagem. Para que os destinatários da comunicação se distraiam com o acessório e não tomem atenção no essencial. Nada mais para além da imagem.
Vamos lá outra vez a uma tão bem montada encenação. A ministra das finanças como atriz principal. Alguém se lembrou de compor a imagem da senhora. Afinal, ela não é uma personagem ingrata, a maquiavélica fautora de uma política de sacrifícios (a que muitos apelidam de empobrecimento), uma cabra insensível às dificuldades que semeou no caminho de tanta gente, um testa-de-ferro da Alemanha mandante. Lá no fundo, a senhora ministra tem um bom fundo. Contratou-se uma agência de comunicação, convidaram-se os jornalistas para a encenação, e nós, os cidadãos que decidimos através do voto, também fomos convidados ao embevecimento. A ministra das finanças foi de visita a um refúgio de crianças órfãs. Vimo-la no tocante gesto de pegar ao colo em crianças que não têm pais, ou cujos pais são tão sacripantas que elas foram entregues à proteção do refúgio. A ministra ri, nota-se-lhe emoção. A ministra das finanças não tem um coração empedernido. Escorria afeto ao falar com as crianças desvalidas. Supunha-se que ficássemos comovidos.
Ninguém perguntou: o que fazia a ministra das finanças na coutada de um colega seu (o refúgio de crianças órfãs não é área tutelada pela pasta das finanças)? Era uma visita privada da ministra das finanças, que ali despia a fatiota da sinecura e se despia como cidadã interessada pelo bem-estar de crianças que já passaram pelas piores privações? Se a visita era privada, que não cuidasse de aparecer nas televisões. Às vezes, um ato piora o diagnóstico. A ministra pode ter coração, como se diz que todos temos. Não era preciso mostrá-lo. Nestas condições, é um exibicionismo descabido.
Um dia depois, uma notícia ajudou a compreender a operação de relações públicas que pretendeu mostrar que a ministra das finanças, afinal, não é uma cabra insensível: ela veio dizer que a disciplina orçamental vai durar. Quem pensava em alívios, que se desengane. O carinho da ministra das finanças é apenas para as crianças órfãs. Essas, que ainda não votam.

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